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Revista Geográfica

ISSN: 1011-484X

Número 57 Julio-diciembre 2016

Doi: dx.doi.org/10.15359/rgac.57-2.2

Páginas de la 43 a la 67 del documento impreso

Recibido: 14/1/2016 • Aceptado: 10/5/2016

URL: www.revistas.una.ac.cr/index.php/geografica/



URBANIZAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E EXCLUSÃO SOCIAL: REFLEXÕES A PARTIR DO CASO BRASILEIRO

URBANIZATION, GLOBALIZATION AND SOCIAL EXCLUSION: REFLECTIONS FROM BRAZILIAN CASE

Ederson Nascimento1

Universidade Federal da Fronteira Sul, Brasil

RESUMO

O artigo apresenta uma análise histórico-geográfica da evolução do processo de urbanização no território brasileiro, enfocando suas relações com a globalização e as características dos principais processos de exclusão social nele desencadeados. A urbanização é apreendida a partir das influências da economia globalizada, através da ação de empresas transnacionais e do Estado, na aceleração da industrialização e da modernização da agricultura no país, que impulsionaram o êxodo rural e a redistribuição territorial da população. A correlação entre inovações tecnológicas nos setores produtivos e a flexibilização/precarização do mercado de trabalho, a manutenção de velhas estruturas sociais e a fragilidade das políticas públicas de promoção da cidadania, agravou o cenário de desigualdade e exclusão social, com sua concentração em centros urbanos. Destaca-se a importância da ação estatal para a promoção de políticas que possam reduzir ou mesmo reverter o quadro social de exclusão no país.

Palavras-chave: urbanização, exclusão social, capitalismo globalizado, desigualdades socioespaciais, políticas públicas de inclusão social.

ABSTRACT

This paper presents a historical and geographical analysis of the evolution of the urbanization process in Brazil, focusing on its relations with globalization and the characteristics of the main processes of social exclusion initiated during this process. The urbanization is understood from the influences of the global economy, by the action of transnational corporations and the State, in the acceleration of industrialization and of modernization of agriculture in the country, which fueled the rural exodus and the territorial redistribution of the population. The correlation between technological innovations in productive sectors and the easing/casualization of labor market, maintenance of old social structures and the fragility of public policies to promote citizenship, worsened the scenario of inequality and social exclusion, with its concentration in urban centers. It emphasizes the importance of government action to promote policies that can reduce or even reverse the exclusion of membership in the country.

Keywords: urbanization, social exclusion, globalized capitalism, socio-spatial inequality, public policies of social inclusion.

RESUMEN

El artículo presenta un análisis histórico y geográfico de la evolución del proceso de urbanización en Brasil, centrándose en su relación con la globalización y en las características de los procesos más importantes de exclusión social originados en él. La urbanización es asimilada a partir de las influencias de la economía globalizada, a través de la acción de las empresas transnacionales y del Estado, de la aceleración de la industrialización y de la modernización agrícola en el país, que ha impulsado el éxodo rural y la redistribución territorial de la población. La correlación entre las innovaciones tecnológicas en los sectores productivos y la flexibilidad/precariedad del mercado de trabajo, el mantenimiento de las estructuras sociales antiguas y la fragilidad de las políticas públicas para promover la ciudadanía, empeoraron la situación de desigualdad y exclusión social, con su concentración en centros urbanos. Se destaca la importancia de la acción del Estado para promover políticas que puedan reducir o incluso revertir el cuadro social de exclusión en el país.

Palabras clave: urbanización; exclusión social; capitalismo globalizado; las desigualdades socio-espaciales; políticas públicas para la inclusión social.

Introdução

Em termos gerais, pode-se entender a exclusão social como uma dinâmica que implica na impossibilidade, por parte dos elementos de uma sociedade, de poderem partilhar em nível de igualdade econômica, social, política e cultural. Trata-se de um processo social amplo e complexo, relacionado a duas grandes dimensões intrincadas entre si em variados níveis. De um lado, envolve um conjunto de privações e carências materiais de origem econômica e política, como o desemprego/subemprego, a insuficiência de renda e a dificuldade de acesso a bens e serviços que possibilitam melhores condições de vida (educação, infraestrutura básica, serviços como saúde e transporte público, condições adequadas de moradia, entre outros) (Room, 1995; Levitas, 2006). De outro, procura avançar em relação às carestias de ordem material desencadeadas pela pobreza2, enfocando também seus desdobramentos no campo psicossocial, mais especificamente suas implicações sobre a fragilização ou mesmo o rompimento de vínculos sociais básicos (Xiberras, 1993; Paugam, 1996; 2003), expressos em termos de segregação, subalternidade e discriminação de segmentos da sociedade3.

Como processo social, a exclusão sempre deve ser compreendida numa perspectiva dialética, em indissociável relação com os referenciais de inclusão social convencionados ou considerados adequados para uma sociedade. Afinal, ninguém se torna estritamente excluído da sociedade, e sim se encontra incluído ou excluído, em maior ou menor proporção, do conjunto de sistemas sociais básicos (Costa, 1998) necessários para a existência de adequadas condições de vida e para o exercício pleno da cidadania: em síntese, o acesso a bens e serviços no território, bem como a proteção aos direitos humanos e civis.

Entendida nessa perspectiva dialética, a exclusão social constitui foco de interesse para a análise geográfica devido à espacialidade concreta que apresenta. Sendo o espaço geográfico uma instância social, cuja produção é, ao mesmo tempo, resultado e condicionante das relações sociais (Santos, 2002), as assimetrias inerentes a uma sociedade de classes terão implicações importantes na configuração espacial, a qual será não só desigual, como também hierarquizada em termos sociais (Bourdieu, 1993). Relacionados hierarquicamente entre si, os lugares “reforçam também as posições e situações dos diferentes agentes sociais, na medida em que o uso contínuo desse espaço hierarquizado também é suficiente para produzir suas próprias hierarquias” (Melazzo e Guimarães, 2010, p. 25). Assim, a importância geográfica da análise da exclusão social reside na estruturação territorial desigual enquanto elemento ativo na produção de assimetrias sociais e situações de precariedade, uma vez que “Há desigualdades sociais que são, em primeiro lugar, desigualdades territoriais, porque derivam do lugar onde cada qual se encontra” (Santos, 1987, p. 123). O espaço é, assim, “fator dinâmico no processo de exclusão/inclusão social na medida em que expressa a distribuição dos bens civilizatórios direcionados à qualidade de vida humana” (Sposati, 2003, p.16).

Na realidade brasileira, a presença da exclusão social não é algo recente. A subjugação de numerosos segmentos populacionais desprovidos de cidadania na maior parte do território é traço recorrente na história nacional. Como bem relata Véras (2006, p. 27), “Desde os tempos coloniais [...] ao Brasil do Império, ao das Repúblicas – velha, nova e contemporânea – e agravado durante a ditadura militar, processos sociais excludentes estão presentes em nossa história”, vitimando grupos sociais no campo – como indígenas e camponeses – e na cidade – migrantes, favelados, sem teto, etc. Por essa razão, pode-se dizer que as raízes da exclusão social no Brasil estão situadas na própria constituição do tecido social do país. Características estruturais dessa sociedade, como seu passado colonial e escravocrata, seu sistema político pautado em relações patrimonialistas e autoritárias, a profunda concentração de propriedade e de renda, além do padrão subordinado e dependente de inserção do país na economia internacional, historicamente determinaram a origem e a reprodução continuada de modalidades diversas de desigualdade, pobreza e exclusão. A estes fatores, acresce-se a ausência, na história do país, de mecanismos estatais mais eficazes de promoção de bem-estar social, que poderiam atenuar a desigualdade e a pobreza4.

Apesar de suas origens pretéritas, a exclusão social assumiu novas feições com o avanço da urbanização no país e sua introdução na economia globalizada. Em que pesem os avanços realizados no tocante à dotação de infraestrutura e ao acesso a serviços e oportunidades que, de certo modo, o meio urbano e a vida urbana puderam oferecer, a evolução dessa urbanização no país se processou excluindo milhões de pessoas no mundo rural, sendo que grande parte desse contingente encontrou e reproduziu novas formas de pobreza e novos processos excludentes nas cidades (especialmente nas de grande e médio porte), paralelamente à manutenção, no território nacional, de vastas porções “opacas” (Santos e Silveira, 2001), “atrasadas”, alijadas da modernização, onde as antigas expressões da exclusão social, em grande medida, permaneceram. E o processo de globalização contribuiu para acelerar esta urbanização e para agravar a questão social, por meio do surgimento de novos processos excludentes oriundos das transformações no mundo do trabalho e das políticas públicas de orientação neoliberal, estas últimas em vigor no país especialmente no período de 1990 a 2002.

O texto está organizado doravante em quatro partes. Na primeira delas, realiza-se uma abordagem introdutória sobre as principais características da economia no período da globalização e sua relação com o surgimento e aprofundamento de processos de exclusão social. Nas duas seções seguintes, o foco volta-se para a exclusão social no território brasileiro, examinando-se primeiramente a evolução dos processos de urbanização e exclusão social e suas articulações com a dinâmica da economia globalizada, e em seguida, as principais diferenciações e características da exclusão social presentes no território nacional, bem como as ações mais importantes empreendidas neste século pelo Estado brasileiro para combatê-la. Encerrando o trabalho, são apresentadas as considerações finais, com destaque para os desafios a serem enfrentados com vistas à promoção da inclusão social no território nacional e, em particular, nas cidades.

A lógica da economia globalizada e a (re)produção da exclusão social

Chamamos de globalização o processo de intercâmbio econômico, político, social e cultural, oriundo da internacionalização das economias capitalistas. Dentre as principais características distintivas desse processo, destacam-se a existência de uma ampla integração entre os mercados financeiros mundiais, bem como um incremento expressivo das trocas comerciais internacionais desencadeado principalmente no interior dos grandes blocos econômicos, impulsionado pela eliminação de barreiras protecionistas.

Costuma-se situar como início da globalização o final da década de 1960 e princípio da seguinte, quando se aprofunda a crise do rígido modelo fordista de acumulação. Nessa época ganha força um processo de desindustrialização dos países de capitalismo avançado. O cenário econômico recessivo e incerto acarretava grandes flutuações de demanda e das margens de lucros, situação que incentivou as empresas transnacionais a reorganizar e racionalizar suas estruturas produtivas, visando aumentar a eficiência na produção e elevar a velocidade de giro do capital, bem como reduzir as deseconomias provenientes de custos com tributações e, principalmente, com mão-de-obra (Harvey, 1992).

De acordo com Singer (2003), o desenvolvimento de novas tecnologias, em especial voltadas à automação de serviços e à produção, armazenamento e transmissão de informações (como a computação e as redes), permitiu a descentralização do processo produtivo em etapas realizadas em locais diversos do globo, pois certos ganhos de escala foram eliminados pelo novo padrão tecnológico. Este ampliou as possibilidades de gerenciamento e controle da produção a partir de pontos diversos do planeta e a grandes distâncias das unidades produtivas, em razão da rapidez e eficiência cada vez maiores para a transmissão de informações, decisões e ordens. O padrão tecnológico estabelecido no final do século XX possibilita, enfim, que “decisões de natureza operacional e gerencial – um exemplo típico são os fluxos financeiros – passam a ter impactos quase instantâneos” (Dupas, 2001, p.16).

Além disso, a busca por localizações que oferecessem mais vantagens comparativas – como ampla disponibilidade de matérias primas, vasto mercado consumidor, legislações trabalhista flexível e ambiental pouco restritiva e, fundamentalmente, força de trabalho barata e relativamente qualificada –, motivou a transferência e/ou instalação de setores de produção para localidades fora dos países sede das grandes empresas, inclusive, em alguns casos, para países da periferia capitalista. O resultado disso foi o fortalecimento das empresas transnacionais e de seu poderio econômico e político. Para Santos (2000), essas empresas assumem o comando da produção de uma “mais-valia universal”, a qual se constitui na principal força matriz da vida econômico-social na atualidade. O comando dessa produção universal confere a essas corporações um grande poder de barganha vis-à-vis os Estados, exercendo grande influência sobre o direcionamento de políticas, bem como afetando enormemente a organização espacial e a estruturação do mercado de trabalho dos locais onde atuam, além de condicionar ou mesmo subjugar à sua lógica agentes econômicos locais de menor expressão.

As grandes corporações contemporâneas apresentam estruturas fragmentadas, nas quais as diversas etapas do processo de produção, como já se adiantou, são instaladas de maneira dispersa em diferentes países, por meio de filiais de fornecedores ou subcontratados. Desse modo, obtêm um produto final composto de partes desenvolvidas em inúmeras nações, usufruindo ao máximo das vantagens comparativas oferecidas de cada uma. Se por um lado essa estrutura propicia ganhos mais elevados às empresas que dela usufruem, por outro aumenta a necessidade de escalas maiores de atuação, acirrando a competição entre as diferentes corporações de cada setor, assim como a tendência à concentração do poder de mercado nas mãos de poucos atores dinâmicos. Essa é a regra do capitalismo globalizado contemporâneo: “poucos grandes grupos por setor operando em nível global e buscando a diminuição dos custos de seus fatores de produção” (Dupas, 2001, p. 43).

Tal fragmentação é uma tendência que prossegue até os dias atuais. A feroz competição do mercado global tem continuamente coagido as grandes empresas verticalmente integradas a se desintegrarem, desvinculando-se de atividades complementares que exerciam e serviços não essenciais, para contratá-los a menor custo no mercado concorrencial (terceirização).

Essa dinâmica do capitalismo traz consigo, por outro lado, impactos que desencadeiam e/ou aprofundam processos sociais de exclusão, tanto nos países desenvolvidos, como, e principalmente, nos da periferia do sistema. Uma das características socialmente mais impactantes da globalização é a reestruturação do mercado de trabalho que constantemente busca estabelecer, visando, em última análise, assegurar a lucratividade do modelo através da obtenção de taxas mais elevadas de mais-valia. Para isto, contudo, as mudanças empreendidas tornam mais precárias as condições desse mercado àqueles que precisam vender sua capacidade de produzir, pois flexibilizam as relações de trabalho e agravam a tendência de desemprego formal.

Harvey (1992) aponta que a estratégia de flexibilização das relações de trabalho é, em última análise, um dos sustentáculos fundamentais da dinâmica capitalista pós-fordista. Seu objetivo último é evitar estoques de força de trabalho sem utilidade imediata. Nesta perspectiva, só é garantido o emprego a um grupo limitado de profissionais, cuja substituição é dificultada em razão de suas qualificações, de suas responsabilidades ou experiência. Em torno deste núcleo estável, explica Gorz (1991), gravitará um contingente variável de trabalhadores periféricos, engajados por um período limitado, pouco qualificados e, por isso, substituíveis. Esta flexibilidade externa evidentemente assegura à empresa vantagens quanto à otimização do trabalho, pois ela pode se limitar a comprar trabalho somente em épocas de maior necessidade, evitando assim de pagar o “trabalho morto” de períodos de menor demanda. Outro aspecto vantajoso é a possibilidade de manter as organizações sindicais em posição de fraqueza, haja vista que é bastante difícil organizar sindicalmente os trabalhadores precarizados e a solidariedade entre eles e o pessoal estável, em geral, é fraca (Singer, 2003).

A forte tendência de aumento do desemprego é uma característica da economia global atual ainda mais preocupante. Pode ocorrer a subtração de empregos formais primeiramente em razão da incorporação de inovações tecnológicas aos ramos produtivos, as quais frequentemente modificam os processos de trabalho e eliminam funções rotineiras que, via de regra, não demandam atributos como criatividade, reflexão ou improviso. Tal situação, comum aos países industrializados – inclusive os da semiperiferia do capitalismo, como o Brasil –, leva a uma tendência de desemprego tecnológico.

O mais grave é que este nem sempre é contrabalançado pela dinâmica de criação de novas profissões e tampouco por uma eventual ampliação de postos de trabalho em outros setores produtivos, pois como afirma Santos (2000), os sistemas técnicos atuais, orientados para a produção de informações, tendem a se disseminar para quase todos os segmentos da economia. Mesmo considerando que os ganhos de produtividade permitam baratear mercadorias, expandindo o seu consumo e gerando, a partir disso, novos empregos, Singer (2003) acredita que o montante de postos de trabalho tende a diminuir, pois tal consumo dificilmente cresce na mesma proporção em que cai a utilização de trabalho em sua confecção. Soma-se a isto o fato de que os novos postos de trabalho criados a partir das reestruturações tecnológicas e da divisão internacional do trabalho, na maioria das vezes não oferecem ao seu eventual ocupante as mesmas compensações que a legislação e os contratos coletivos vinham assegurando. E parcela significativa daqueles são ocupações “por conta própria” reais ou somente informais.

Diante de tal cenário, verifica-se “tanto a exclusão de uma crescente massa de trabalhadores do gozo de seus direitos legais como a consolidação de um ponderável exército de reserva” (Singer, 2003, p. 29). Este tem ainda suas condições agravadas, pois a duração do tempo de desemprego tem se prolongado em escala global, minimizando a proporção de desempregados auxiliados pelo seguro-desemprego e aumentando a quantidade de pessoas atingidas pela exclusão social em razão da crescente deterioração de suas condições de vida. A contrapartida disso, por outro lado, atua no sentido de aprofundar a desigualdade social, através da concentração da renda a favor dos diretores ou trabalhadores estáveis do núcleo primário das grandes empresas, dos investidores e especuladores.

É justamente por esta razão que se poder afirmar, em concordância com Dupas (2001, p.16), que as alterações provindas da lógica global de produção capitalista

[...] invadem também a esfera individual ao modificar valores e padrões há muito sedimentados, estando aí uma das principais raízes do sentimento de insegurança que começa a se generalizar e que está subjacente à preocupação com a exclusão social, fortemente ligado às mudanças acarretadas no mercado de trabalho.

Com isso, inevitavelmente, os governos acabam sendo pressionados a pôr em prática medidas redistributivas e de proteção social às populações fragilizadas socioeconomicamente, cada vez mais numerosas. Entretanto, as atribuições do Estado também têm sido remodeladas, sobretudo em países semiperiféricos como o Brasil, onde parte considerável do orçamento público é comprometida com o pagamento de juros e dívidas. Diversamente do período fordista anteriormente em vigor, na perspectiva econômica contemporânea, fortemente influenciada por postulados de cunho neoliberal, as instâncias governamentais têm a missão de equilibrar seus orçamentos visando canalizar o maior volume possível de recursos para prover a infraestrutura técnica e os capitais material, financeiro e social necessários aos interesses dos agentes econômicos globais. A conjuntura brasileira no final do século XX, analisada por Santos (2000, p. 66), é um exemplo de tal papel conferido ao Estado:

[...] os condutores da globalização necessitam de um Estado flexível a seus interesses. As privatizações são a mostra de que o capital se tornou devorante, guloso ao extremo, exigindo sempre mais, querendo mais. Além disso, a instalação desses capitais globalizados supõe que o território se adapte às suas necessidades de fluidez, investindo pesadamente para alterar a geografia das regiões escolhidas. De tal forma, o Estado acaba por ter menos recursos para tudo o que é social, sobretudo no caso das privatizações caricatas, como no modelo brasileiro, que financia as empresas estrangeiras candidatas à compra do capital social nacional. Não é que o Estado se ausente ou se torne menor. Ele apenas se omite quanto ao interesse das populações e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, ao serviço da economia dominante.

Neste contexto, sob a ótica dos agentes econômicos globais, passam a ser atribuições prioritárias do Estado equilibrar suas finanças, desregulamentar a economia – em especial o mercado de trabalho – e aliviar o peso da carga tributária sobre os negócios de modo a promover a acumulação privada de capital.

Urbanização, globalização e exclusão social no território brasileiro

Embora os processos de exclusão e inclusão sociais não sejam restritos a espaços urbanos, no Brasil estes ganharam maior visibilidade com a “urbanização dependente” engendrada no país no contexto do sistema capitalista (semi)periférico. O modelo de desenvolvimento econômico excludente refletiu-se no meio urbano, produzindo espaços socialmente desiguais e segregados, com a manutenção de grandes parcelas da população excluídas do processo de integração econômica e social. Até mesmo nas cidades mais ricas.

Em termos gerais, a urbanização se processou no Brasil especialmente na segunda metade do século XX, impulsionada pelo crescimento de seu setor industrial e pela dinâmica de modernização de setores produtivos, tanto no campo como no meio urbano. A partir da década de 1950 instaura-se progressivamente no Brasil um sólido processo de industrialização, favorecido por incentivos de natureza estatal, bem como por melhorias empreendidas nos sistemas de transporte, especialmente o rodoviário, o que possibilitou uma inédita comunicação das várias regiões do país entre si. A esses fatores, seguiu-se nos anos 1970 uma revolução técnico-científica e a chegada dos satélites brasileiros. Neste contexto, os processos de modernização produtiva do país ganham impulso crescente, favorecidos ainda por uma ideologia de racionalidade e modernização a qualquer custo, que ultrapassa o domínio industrial, impõe-se ao setor público e invade áreas até então não tocadas ou atingidas apenas indiretamente (Santos e Silveira, 2001).

O avanço da industrialização e a modernização dos serviços tornaram a estrutura produtiva do país mais dinâmica, complexa e diversificada, concorrendo para a expansão e diferenciação do mercado de trabalho, bem como das classes e da estrutura social (Carvalho, 2006). A maior parte dos investimentos foi concentrada nas regiões Sul e Sudeste, com destaque para o estado de São Paulo, aproveitando-se da infraestrutura de transportes e comunicações já implantada, da base industrial existente e das dimensões de seu mercado consumidor. Nesse processo, os centros urbanos de maior porte, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e, principalmente, São Paulo, ampliaram sua centralidade ao receber grandes empresas nacionais e multinacionais (Santos e Silveira, 2001). Isto, segundo Carvalho (2006, p.7), “estimulou o crescimento das atividades terciárias e da riqueza local”, atraindo grandes levas de migrantes para essas cidades, as quais “terminaram por assumir uma configuração metropolitana (com a conurbação de vários municípios) e por concentrar uma proporção bastante elevada da produção, da riqueza e da população nacional”. Entretanto, mesmo nestas regiões mais beneficiadas economicamente, o regime político autoritário instaurado no país (de 1964 a 1985) impedia uma distribuição menos injusta dos ganhos com a expansão econômica, principalmente por meio da repressão a organizações sindicais e a movimentos de entidades civis organizadas, como bem destaca Martins (2002, p. 34):

O desencontro entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social não tinha condições de propor um desenvolvimento autônomo, orientado para “dentro”. Por isso mesmo, o descompasso sugeria que a iniquidade própria do modelo globalizado de desenvolvimento econômico, nos países pobres, só seria viável por meio de um sistema político repressivo, que cerceasse as liberdades civis e contivesse o protesto social [...]. No caso brasileiro, como de resto em outros casos latino-americanos, a ditadura deu certo no que a isso se refere. Em poucos anos, foi intensificado o processo de acumulação do capital para ajustar o país à economia globalizada e à dinâmica de um novo liberalismo econômico de implicações sociais e políticas amplas: as relações sociais e políticas foram completamente submetidas à mediação do mercado e ao seu poder regulador. Em pouco tempo, para sustentar uma família foi preciso transformar mais um de seus membros em trabalhador. [...] Essa ampla desvalorização do trabalho foi o meio de tornar o Brasil competitivo em face de economias mais modernas, desenvolvidas e tecnificadas. Foi também o meio de desencadear mecanismos de mercado como reguladores do protesto social. Portanto, um conjunto de fatores econômicos e políticos engendrou a metamorfose de parte da classe trabalhadora em excluídos.

Na medida em que a expansão da indústria no Brasil contrastava com a redução do poder aquisitivo das massas, a economia via-se compelida a se voltar preferencialmente para mercados externos e os investimentos eram direcionados aos setores com maiores possibilidades de exportação. Tal orientação tornava indispensável a estes setores “uma constante modernização do equipamento industrial para poder concorrer internacionalmente”, assim como agravava “a dependência em relação aos centros mais avançados do sistema mundial” (Santos e Silveira, 2001, p.51). Criava-se uma necessidade constante de importações, sobretudo de inovações tecnológicas, que precisava ser contrabalançada por uma agressiva política de exportação.

A modernização capitalista atingiu também diversas áreas agrícolas, muitas das quais produtoras de culturas tradicionais e empregadoras de vasta mão-de-obra. Tal processo promoveu uma maior integração das atividades agropecuárias com a indústria, porém, à custa de sensíveis alterações na pauta dos produtos agrícolas e de um aumento dos custos de produção, tornando-a inviável para os pequenos produtores (Oliveira, 1996). A estrutura fundiária arcaica e concentrada do país torna-se ainda mais seletiva, repelindo vastos contingentes de populações pobres das áreas rurais em direção aos centros urbanos de grande e (mais recentemente) médio porte.

Essa dinâmica deu origem ao que se pode chamar de “urbanização da pobreza”, haja vista que parte considerável dos migrantes que fugia da pobreza rural, passa a encontrar e a reproduzir “uma pobreza de nova qualidade nos seus lugares de destino” (Silveira, 2006, p. 152). O avanço dessa urbanização da pobreza transcorreu acompanhado de mão-de-obra de baixa qualificação, vagando pelas cidades mais industrializadas (Campos et al., 2003). Mas além de o desenvolvimento da indústria propiciar, comparativamente com a demanda necessária, a criação de um número insuficiente de postos de trabalho, o setor terciário “associa formas modernas a formas primitivas que remuneram mal e não garantem a ocupação” (Santos, 1993, p.10). Assim, o descompasso entre a oferta de mão-de-obra e a oferta de empregos, bem como a qualificação insuficiente dessa força de trabalho migrante, contribuíram para a ampliação da pobreza nas cidades.

Além dos “novos” pobres emigrados do campo, a exclusão atingiu amiúde outras categorias da população, até então preservadas dessa situação. Segundo Singer, na década de 1970, à época do chamado “Milagre Econômico Brasileiro”5, a globalização chegou a ser o principal propulsor da inclusão social. Neste período, o país, voltado para a economia internacional, tornou-se exportador de produtos manufaturados para empresas transnacionais à procura de mão-de-obra de baixo custo. Nas cidades mais industrializadas, “aqueles que tinham capital humano procurado pelo ‘mercado’ tiveram oportunidade de conquistar bons empregos e gozar de um padrão de vida muito melhor” (Singer, 2003, p. 82). Mas esta situação durou pouco tempo. A crise do petróleo causara desequilíbrios nas contas externas do Brasil e os déficits crescentes foram cobertos por um progressivo fluxo de empréstimos externos (petrodólares) efetuados por bancos privados. A partir de então, o país mergulha em um longo período de recessão, com crescentes níveis de inflação e desemprego e encolhimento da renda real dos trabalhadores (Lemos, 2012). Assim, “Os fatores estruturais decorrentes de [diversas] crises econômicas e sociais fizeram da exclusão social o traço dominante da ‘década perdida’, que no Brasil durou de 1981 até 1992” (Singer, 2003, p. 82).

No início dos anos 1990 o fenômeno da migração rural-urbana já havia diminuído de intensidade, mas o total de população urbana, que era de pouco menos de 19 milhões de habitantes em 1950 (45,5% da população total da época), já atingia em 1991 a marca de 111 milhões (75,6%). Com a população brasileira habitando predominantemente as áreas urbanas, a exclusão social se intensifica nestes espaços devido à dinâmica do mercado de trabalho, que, nessa década, com a inserção definitiva do Brasil na globalização, torna-se cada vez mais flexível e precário. A abertura do mercado interno brasileiro à competição internacional, que teve início em 1990 e se intensificou quatro anos depois, levou a produção local a realizar, em nome da competitividade, “uma profunda e contínua reestruturação preventiva, com automação radical e terceirizações, redução de níveis hierárquicos e estruturas administrativas e técnicas de lean production, tudo se orientando para maior flexibilidade” (Dupas, 2001, p. 143). O resultado desta reestruturação foi uma verdadeira explosão do trabalho flexível ou informal no país a partir de 1995, bem como a ocorrência de taxas expressivas de desemprego (situação que perduraria por cerca de dez anos), principalmente nas cidades de porte mais elevado.

Essas características do mercado de trabalho brasileiro expressam a estrutura da divisão do trabalho no país no âmbito da globalização. Tal estrutura, inequivocamente, só pode levar à produção e reprodução da pobreza e da exclusão social, tanto na cidade como no campo e de maneira diferenciada no território nacional, como bem aponta Silveira (2006, p. 171):

A divisão do trabalho que resulta do neoliberalismo é produtora de pobreza e dívidas sociais. Fundada nos acréscimos técnico-científico-informacionais e nos mecanismos financeiros, ela é feita da superposição das divisões do trabalho das grandes corporações. É por isso que a divisão do trabalho no país tem um papel ativo na desvalorização dos fazeres e lugares que não perfazem essas necessidades. Daí os mecanismos de exclusão e a produção da pobreza. Essa economia assim planejada é incapaz de criar um número de empregos satisfatório, pois despreza as atividades que não são modernas. Diminuem o número de empregos e o valor dos salários porque se desvaloriza o trabalho da maior parte da sociedade.

O país chega ao segundo decênio do século XXI com cerca de 191 milhões de habitantes, sendo mais de 84% os residentes em áreas urbanas6, números estes que traduzem os efeitos demográficos de um massivo processo de urbanização e que segue se intensificando, não só em termos populacionais, mas também em termos espaciais (crescimento de cidades e de usos tipicamente urbanos da terra) e sociais, com a difusão de valores e padrões de consumo urbanos para além dos limites das cidades (Monte-Mór, 2003). E uma ampla parcela de toda essa população, além de enfrentar dificuldades com relação à obtenção de renda, ainda convive com problemas como a carência de serviços essenciais como saneamento básico, segurança, transporte público, acesso limitado à saúde, à educação, à moradia, dentre outros. Essa situação de desigualdade contribui para o esgarçamento do tecido social e para o aumento das populações atingidas, em maior ou menor grau, pela exclusão social em suas diferentes dimensões (Costa, 1998).

Exclusão social e políticas públicas na contemporaneidade brasileira

A dinâmica de desenvolvimento geograficamente desigual no Brasil, que combina processos manifestos seletivamente no território nacional – a industrialização, a constituição de um mercado nacional integrado e de uma divisão inter-regional do trabalho, a modernização e reestruturação produtiva no campo e na cidade na esteira do capitalismo globalizado –, aliada ao conservadorismo e à manutenção de estruturas sociais antigas, alteraram a geografia da inclusão e da exclusão social no país, acentuando as desigualdades socioespaciais no âmbito da urbanização. Em outras palavras, a exclusão torna-se mais complexa em termos sociais, assumindo novas características e atingindo outros grupos populacionais em graus distintos, e espaciais, ao se materializar desigualmente no território e em diferentes escalas geográficas.

Os referenciais de inclusão e exclusão se alteram na medida em que o desenvolvimento urbano-industrial e a modernização do sistema produtivo não foram acompanhados das reformas civilizatórias do capitalismo capazes de redistribuir riqueza e promover a justiça social: a reforma fundiária, a fim de reduzir a concentração da propriedade privada da terra; uma reforma do sistema tributário capaz de propiciar maior justiça fiscal, e; uma reforma que universalizasse a proteção social, tal qual nos países onde se instaurou a chamada “sociedade salarial” (Carvalho, 2006). Com isso, nas regiões do país mais beneficiadas pelo desenvolvimento econômico, viu-se a consolidação de novos processos excludentes, paralelamente à manutenção de formas antigas e “estruturais” de exclusão em outras porções do território.

Tomando como escala de referência espacial o território nacional, Campos et al. (2003), em um dos livros da coletânea Atlas da exclusão social no Brasil7, classificam as diferentes formas de exclusão social observadas no Brasil no limiar do século XXI em duas categorias básicas, não dissociadas entre si: a “velha” e a “nova” exclusão sociais. Para estes autores, a “velha” exclusão social pode ser definida “como a forma de marginalização dos frutos do crescimento econômico e da cidadania, expressa pelos baixos níveis de renda e escolaridade, incidindo mais frequentemente sobre os migrantes, analfabetos, mulheres, famílias numerosas e a população negra”. Trata-se, em suma, das formas mais antigas e persistentes de exclusão social, existentes em praticamente toda a história nacional. Esta “velha” exclusão social continua fortemente presente nas porções do território mais excluídas do desenvolvimento do capitalismo no país, especialmente nas regiões geográficas Norte e Nordeste (Cf. Figura 1, áreas predominantemente em vermelho). Nestes locais, os traços da exclusão social resumem-se na “permanência da baixa escolaridade, da pobreza absoluta no interior das famílias numerosas e da desigualdade nos rendimentos” (p. 34).

Figura 1. Índices de exclusão social nos municípios do Brasil em 2010

Fonte: Guerra, Pochmann e Silva, 2015 (adaptado).

Por sua vez, a “nova” exclusão social remete, para os autores supracitados, à “manifestação de [novas] categorias de desigualdade. [...] Essa nova exclusão atinge segmentos sociais antes relativamente preservados do processo de exclusão social” (p. 32 e 49). Até meados dos anos 2000, estas “novas” manifestações de exclusão se ampliaram nas localidades socioeconomicamente mais avançadas do país – em especial, os estados das regiões Sul e Sudeste, além do Distrito Federal (Cf. Figura 1) –, materializadas por meio “do isolamento juvenil, da pobreza no interior de famílias monoparentais” atingidas pelo desemprego e a instabilidade do trabalho flexível, “da ausência de perspectiva para parcela da população com maior escolaridade e da explosão da violência” (p. 34). Nestas porções do território nacional, os índices de alfabetização e instrução atingem os níveis mais elevados do país, fruto de importantes mudanças políticas ocorridas a partir da década de 1980, como a “livre organização de sindicatos, medidas universalizantes da Constituição de 1988 e maior autonomia para execução de políticas sociais no âmbito estadual e local” (p. 47). Em contrapartida, o desemprego e o subemprego, a informalidade e os baixos rendimentos “contribuem para romper os vínculos sociais numa sociedade cada vez mais competitiva, onde existe uma sede por padrões de consumo mais sofisticados e na qual a violência desponta como sintoma máximo da dessocialização” (p. 54).

Nas escalas urbano-metropolitana e intraurbana, as desigualdades também se ampliam com a conformação de espaços urbanos fragmentados e segregados socialmente, separando áreas onde o status social e a estrutura de oportunidades possibilitam a inclusão – níveis mais elevados de poder aquisitivo e acesso mais facilitado a bens e serviços (privados e também públicos) pela população residente –, de outras onde a incidência da exclusão social é marcante. E nas áreas mais industrializadas e urbanizadas e com maior população absoluta, que tendem a ser consideradas com condições médias de vida satisfatórias, as desigualdades socioespaciais não só estão presentes, como tendem a ser mais acirradas em virtude da produção de “subespaços” com precariedades múltiplas inter-relacionadas, resultantes tanto da “nova” como da “velha” dinâmica social excludente vigentes no território nacional.

É importante ressalvar que a partir da década de 2000 foram empreendidas, por iniciativas dos governos federais, políticas que possibilitaram certa melhora de indicadores sociais e o início de uma redução da exclusão social no território nacional, tanto em cidades como no meio rural. Na acepção de Guerra, Pochmann e Silva (2015, p. 23),

Nos anos 2000 assistiu-se à recuperação do papel do Estado, o que permitiu retornar à luta pela superação do subdesenvolvimento. Concomitante com a maior expansão econômica, houve redistribuição da renda, sobretudo na base da pirâmide social, bem como a elevação da participação do rendimento do trabalho na renda nacional. Ademais, a ênfase nas políticas sociais implicou romper com a perspectiva anterior de manter baixo o patamar do salário-mínimo, que partia do pressuposto da maior geração da informalidade e desemprego no mercado de trabalho, assim como a quebra da Previdência Social e a desorganização das finanças públicas.

Além dos programas de assistência social já mencionados, também são dignas de nota as seguintes ações do poder público federal no período:

  1. a política de recuperação do poder de compra do salário mínimo, seguidamente desvalorizado a partir de 1964: de 2004 a 2014, o valor do salário mínimo nacional teve um aumento real (descontando-se a inflação) de 68% (DIEESE, 2014);
  2. o controle da inflação concomitante à manutenção de baixas taxas de desemprego, sobretudo se comparadas aos níveis vigentes nas décadas de 1980 e 19908;
  3. as ampliações do “Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar” (Pronaf)9 e da interiorização da oferta de energia elétrica, por meio do “Programa Luz para Todos”10, e;
  4. as ações para universalização do acesso à educação básica e, mais recentemente, para ampliação do ensino técnico e superior (inclusive, em diversas instituições, com a garantia de cotas mínimas de acesso a estudantes provenientes de camadas de baixa renda, afrodescendentes e oriundos de escolas públicas).

Tais medidas, somadas a outras de abrangência local, tiveram impacto positivo não desprezível sobre as condições de vida dos segmentos da população mais fragilizados socioeconomicamente, de modo que em 2014, pela primeira vez, o país apareceu fora do “Mapa Mundial da Fome” apresentado pela FAO/ONU (2014). Apesar deste importante avanço, o país ainda está distante de superar o enorme passivo social engendrado e acumulado em sua longa trajetória histórica de exclusão e déficit de cidadania.

Considerações Finais

Apresentou-se, neste ensaio, uma análise da evolução do processo de urbanização no Brasil a partir de suas relações com a globalização e das características dos principais processos de exclusão social desencadeados. Procurou-se evidenciar que, com a evolução do processo de urbanização e os impactos da globalização neste contexto, a dinâmica de exclusão social tornou-se mais complexa e mais diversa: em relação ao perfil social da população atingida, incluindo segmentos populacionais com perfis educacionais distintos; em termos espaciais, com a permanência dos tipos mais antigos e estruturais de exclusão social nas áreas rurais e pequenas cidades das regiões economicamente periféricas do país, paralelamente à reprodução deste padrão socialmente excludente nos centros urbanos de médio e grande porte, mesclando-se nestes espaços aos novos tipos de exclusão social originados no final do século XX.

Apesar dos avanços empreendidos, especialmente a partir dos anos 2000, há ainda muito a avançar e grandes desafios a enfrentar para a promoção da inclusão social no Brasil. A começar pela própria salvaguarda das políticas sociais redistributivas, constantemente questionadas no plano político nacional. A isto, acrescenta-se a premência das reformas de base, especialmente a fundiária e a tributária, a fim de possibilitar maior acesso à terra e garantir uma tributação socialmente mais justa, bem como a necessária manutenção e ampliação de direitos trabalhistas, além de avanços qualitativos na educação (sobretudo de crianças e adolescentes).

Há também importantes ações estruturais a serem tomadas quanto ao ordenamento territorial. No nível intraurbano, o combate à especulação fundiária e imobiliária aparece como uma das medidas mais urgentes. Fenômeno de grande peso para a evolução socioespacial desigual das cidades brasileiras11, este segue sendo um limitante para a ampliação do acesso à terra e à moradia urbanas, notadamente a partir de 2009 com a ampliação das linhas de crédito imobiliário pelo Governo Federal, como no caso do programa “Minha Casa Minha Vida” (Rufino, 2015).

Finalmente, vale ressaltar ainda a importância da realização de investimentos estatais indutores do investimento privado, visando promover um desenvolvimento socioeconômico mais equilibrado no território. Afinal de contas, em que pese a natureza excludente (quanto às pessoas e aos lugares) do capitalismo globalizado, não há políticas de inclusão social que se sustentem no longo prazo sem inclusão econômica de sua população por meio do trabalho. Concordamos com Demo (2002, p. 36) no sentido de que “No capitalismo, a inclusão pela via do mercado ainda é a mais garantida e estrutural, ainda que este efeito não provenha do mercado, mas sobretudo da cidadania capaz de se impor ao mercado”.

As demandas mencionadas acima evidenciam a importância do Estado como agente fundamental – embora não único – para a promoção da inclusão social e da cidadania. O Estado-nação é um agente que detém mecanismos que podem, em certa medida, regular determinados efeitos da economia global, uma vez que “decisões relativas a investimentos, salários, distribuição de renda e modernização tecnológica, dependem basicamente das estratégias internas de cada nação” (Santos, 2001, p. 192). Ademais, em se tratando de áreas urbanas, não se pode negligenciar, mesmo em tempos “globalizados”, o importante papel da instância local. Como bem observa Lavinas (2002, p. 52), considerando que a exclusão social envolve o rompimento de vínculos sociais básicos, o empobrecimento não só do indivíduo, mas também “das relações que definem seu lugar e sua identidade sociais”, os governos locais têm melhores possibilidades de atuar de maneira preventiva contra a quebra de laços de pertencimento (deterioração urbana, segregação socioespacial, isolamento, minimização de oportunidades) e “fomentar dinâmicas de ressocialização, uma e outra de cunho fortemente territorializado”.

A ação do Estado não é neutra e, não raro, ele mesmo contribui no sentido de agravar as disparidades sociais e territoriais. No entanto, é importante ter em conta que, mesmo sob a égide da globalização, a pauta estatal não se fecha definitivamente para a inclusão social. Possibilidades existem. “Como expressão da luta de classes, o Estado pode intervir em diversos sentidos, favorecendo ou prejudicando determinados interesses. Tudo vai depender da correlação de forças presentes na sociedade” (Maricato, 1997, p. 45). Assim, o plano das políticas públicas torna-se campo de disputas e conflitos, sendo que sua atuação pode priorizar a promoção da cidadania em detrimento da manutenção/ampliação das desigualdades. Desde que para isto penda a participação política da população.

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1 Doutor em Geografia, Universidade Federal da Fronteira Sul, Av. Fernando Machado, 108E, Caixa Postal 181, CEP 89802-112, Chapecó, SC, Brasil. Fone: +55 49 2049 6566. Correo electrónico: ederson.nascimento@uffs.edu.br

2 Entende-se a pobreza “como uma situação relativa, que deve [...] ser relacionada com a medida absoluta de um mínimo. [...] Pobres são os desprovidos da satisfação daquilo que se considera suas necessidades básicas” (Singer, 2003, p. 61). O conceito de pobreza será utilizado no presente como uma situação social, algo que pode ser considerado transitório, diferentemente de “exclusão”, que remete a um processo social.

3 O conceito de exclusão social é um dos que teve maior difusão dentro das ciências sociais e humanas, diante de preocupações com o crescimento da pobreza e com a desestabilização de vínculos coesivos do tecido social, desencadeados por processos de reestruturação econômica e pela supressão de políticas sociais de bem-estar no âmbito da globalização, especialmente em países de capitalismo avançado. Na América Latina, e principalmente no Brasil, o uso do conceito se difundiu também em função da “exacerbação dos problemas urbanos das metrópoles nos anos 1970 e com o aprofundamento da crise econômica dos anos 1980, que aumentou a desigualdade social e a pobreza” (Vieira et al., 2010, p. 36). Vale ressalvar, contudo, que o uso generalizado e, de certo modo, indiscriminado do conceito, empregado com vários significados para reunir pessoas e grupos que são deixados de lado pelo mercado de trabalho e/ou pelas políticas sociais, deu origem a controvérsias quanto à sua utilização, suscitando, inclusive, a rejeição do termo exclusão por diversos estudiosos – como, por exemplo, Castel (1997), Martins (1997 e 2002) e Demo (2002) – em razão das diferenças quanto à sua interpretação e uso.

4 Historicamente, os programas estatais de combate à pobreza e à exclusão em escala nacional são bastante recentes. As iniciativas nesse sentido tiveram início em 1991, quando da proposição, pelo então senador Eduardo Suplicy, do Programa de Garantia de Renda Mínima, destinado a todos os indivíduos residentes no país com mais de 25 anos e com rendimentos. Durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foram criados os primeiros programas de transferência de renda de iniciativa do Governo Federal e com abrangência nacional: em 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, destinado à retirada de crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos da prática do trabalho precoce, e o Benefício de Prestação Continuada, para idosos e pessoas com deficiência; e, em 2001, o Bolsa Escola, destinado a famílias carentes com crianças e adolescentes em idade escolar (seis a quinze anos), frequentando o ensino fundamental, além do programa Bolsa Alimentação, que visou diminuir as carências nutricionais de aproximadamente 3,5 milhões de pessoas pertencentes a famílias com renda mensal inferior a meio salário mínimo per capita (Silva, Yazbek e Giovanni, 2011). Estes programas federais de transferência de renda expressam o reconhecimento, ainda que tardio, por parte do Estado brasileiro, da gravidade da miséria extrema e do ciclo de exclusão social, bem como da necessidade de minimiza-los por meio de políticas públicas. Contudo, os programas foram executados de forma fragmentada entre os diferentes Ministérios. O combate à miséria e ao processo de exclusão social começa a avançar de modo mais consistente a partir de 2003, na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), representante de grupos políticos opositores ao governo anterior. Distanciando-se, em certa medida, das políticas neoliberais, este último governo criou o programa Bolsa Família, que unificou os programas de transferência de renda então existentes e cujo desenvolvimento contou com um volume de recursos financeiros bastante superior ao destinado até então para esse tipo de política, podendo assim abranger um elevado e crescente número de famílias e dar início a uma redução efetiva, em termos estatísticos, dos níveis de pobreza e da exclusão social.

5 Período compreendido entre 1968 e 1973, no qual a economia brasileira logrou elevados níveis de expansão, com crescimento médio do produto interno bruto acima de 10% ao ano e inflação anual variando de 15% a 20%. A expansão econômica da época foi impulsionada principalmente pela emergente indústria automobilística e pela participação do Estado, através da implantação de grandes empreendimentos de infraestrutura.

6 Em 2010 a população total do Brasil recenseada foi de 169.799.170 habitantes, sendo a população urbana de 160.879.708, o que corresponde a uma taxa de urbanização de 84,35%.

7 O “Atlas da Exclusão Social no Brasil” é uma pesquisa sobre a exclusão social nos municípios brasileiros, realizada por pesquisadores de três universidades brasileiras (Unicamp, USP e PUC/SP), cujos resultados são apresentados numa coletânea de publicações. Neste estudo, foi construído um índice de exclusão social para cada município, a partir da correlação de variáveis estatísticas referentes à pobreza, percentual de população jovem, alfabetização, escolaridade, emprego formal, violência e desigualdade. À semelhança do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a escala do índice de exclusão social varia de 0 a 1, com a condição social melhorando com o aumento do indicador (ver Campos et al., 2003 e Guerra, Pochmann e Silva, 2015).

8 De acordo com dados do IBGE, de maio de 2002 a maio de 2005, a taxa de desocupação nas seis maiores regiões metropolitanas brasileiras esteve sempre acima dos 10% (exceção feita a dezembro de 2004, com índice de 9,6%), com picos de 13,1% nos meses de agosto de 2003 e abril de 2004. Do mês seguinte até maio de 2007, os percentuais oscilaram entre 9,4 e 10,8%. Em seguida, a taxa iniciou uma trajetória predominante de queda, interrompida no início de 2009 no âmbito da crise financeira internacional, quando a desocupação passou de 6,8% em dezembro de 2008 a 9% em março e 8,8% em maio daquele ano. Após, seguiu-se novo movimento de queda, com as melhores situações ocorrendo em 2013 e 2014, quando a desocupação se manteve abaixo ou pouco acima dos 5% em praticamente todo o período. Entre os principais fatores que contribuíram para a ampliação do emprego no período 2007-2014 destacam-se a atuação do Governo Federal na ampliação dos investimentos em infraestrutura e com políticas de desonerações à indústria e redução de juros, estimulando o mercado interno, bem como a dinamização do mercado da construção civil e o crescimento das exportações de commodities. A partir de 2015, no entanto, a desaceleração da economia nacional desencadeia a uma nova trajetória ascendente do desemprego, atingindo 10,9% ao final do primeiro trimestre de 2016. Dentre as causas apontadas para a crise estão a retração de demanda em mercados da Ásia, afetando as exportações de produtos primários brasileiros, bem como o desequilíbrio acumulado nas finanças públicas da União, atacado tardiamente pelo Governo Federal com um drástico ajuste fiscal, e impactos sobre a atividade econômica causados pela instabilidade político-institucional no país gerada a partir de denúncias de corrupção contra o Governo Federal e pela perda de apoio político deste junto ao Congresso Nacional.

9 Programa de crédito que financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda a agricultores familiares e assentados da reforma agrária. O programa possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais.

10 Programa de ampliação de redes de energia elétrica para comunidades do interior do país, beneficiando principalmente localidades com baixos IDHs e famílias de baixa renda. Até junho de 2015 o programa beneficiou cerca de 15,5 milhões de moradores rurais. Além disso, estima-se que as obras realizadas do programa tenham gerado cerca de 483 mil novos postos de trabalho, segundo dados do Ministério das Minas e Energia.

11 A este respeito, ver, entre outros, Campos Filho (1989), Santos (1993) e Maricato (2012).


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