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Número 65(2) • Julio-diciembre 2020
ISSN: 1011-484X • e-ISSN 2215-2563
Doi: http://dx.doi.org/10.15359/rgac.65-2.9
Recibido: 15/7/2019 • Aceptado: 10/10/2019
URL: www.revistas.una.ac.cr/index.php/geografica/


Abordagem sistêmica do cenário de desmatamento no Haiti: uma aparente relação com os eventos extremos

Systemic approach to the phenomenon of deforestation in Haiti: an apparent relationship with natural disasters

Enfoque sistémico del fenómeno de deforestación en Haití: una relación aparente con catástrofes naturales

Ralph Charles1

Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil

Regina Célia de Oliveira 2

Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil

Rafael Vinícius São José3

Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil

Resumo

O desmatamento é considerado como um dos mais graves problemas ambientais da atualidade, pois além de devastar as florestas e os recursos naturais, compromete o equilíbrio do planeta em seus diversos elementos, incluindo os ecossistemas, afetando gravemente também a economia e a sociedade. No Haiti, o desmatamento começou no período da colonização que resultou na substituição de floresta virgem para plantar outras culturas que consequentemente mudou o funcionamento sistêmico da paisagem. Nesta perspetiva, esta pesquisa objetiva analisar o desmentamento neste território, buscando apresentar uma aparente relação com o grau de devastação das florestas e a alta sensibilidade deste país em relação aos eventos extremos. Os principais resultados demonstram que este cenário de elevada degradação ambiental pode ter peso grande sobre a sensibilidade ambiental do país e a sua suscetibilidade à ocorrência de frequentes eventos físicos.

Palavras-chave: Impactos Ambientais; Fenômenos naturais; Susceptibilidade; Diagnóstico Ambiental.

Abstract

Deforestation is considered one of the most serious current environmental problems, in addition to the devastation of forests and natural resources, it compromises the planet's balance in its various elements, including ecosystems, which seriously affect the economy and society. In Haiti, deforestation began in the colonization period and resulted in the replacement of virgin forest with agricultural land, which consequently changed the systemic functioning of the landscape. Under this perspective, the present research aims to analyze the negation in this territory, seeking to present an apparent relationship between the degree of forest devastation and the country’s high sensitivity to natural disasters. The main results suggest that this scenario of high environmental degradation can have a great burden on the country's environmental sensitivity and its susceptibility to frequent natural disasters.

Keywords: Environmental impacts; Natural phenomena; Susceptibility; Environmental diagnosis.

Resumen

La deforestación se considera uno de los problemas ambientales más graves de la actualidad porque, además de los bosques devastadores y los recursos naturales, compromete el equilibrio del planeta en sus diversos elementos, incluidos los ecosistemas, que afectan gravemente a la economía y la sociedad. En Haití, la deforestación comenzó en el período de colonización que resultó en el reemplazo del bosque virgen para plantar otros cultivos, lo que en consecuencia cambió el funcionamiento sistémico del paisaje. En esta perspectiva, esta investigación tiene como objetivo analizar la negación en este territorio, buscando presentar una relación aparente con el grado de devastación forestal y la alta sensibilidad de este país en relación con eventos extremos. Los principales resultados muestran que este escenario de alta degradación ambiental puede tener un gran peso en la sensibilidad ambiental del país y su susceptibilidad a eventos físicos frecuentes.

Palabras clave: Impactos Ambientales;Fenómenos naturales; Susceptibilidad; Diagnóstico Ambiental.

Introdução

Sabe-se que as florestas são de extrema relevância para a preservação do solo, a regulagem da água, os ciclos de nutrientes, o equilíbrio das trocas de gases na atmosfera e a estabilidade climática, além do que sem elas, as formas evoluídas de vida terrestre no globo estariam sujeitas à extinção (Marques Filho, 2018). De acordo com este autor, a partir de 1980, o desmatamento global aparenta ter alcançado seu paroxismo, uma vez que estimativas atuais demonstram que um quarto da perda florestal, em escala planetária, dos anos mais recentes foi destruído nos últimos 30 anos.

Em um contexto global, tem-se observado que os principais motivos responsáveis pela redução dos tamanhos das florestas naturais são a ocorrência de incêndios, cortes de árvores para propósitos comerciais e devastação de terras para utilização da agropecuária (Arraes et al., 2012). Estes autores escrevem que historicamente o ser humano tem se beneficiado da remoção de árvores para diversos usos, como fonte de energia, construções de habitações e tornar a terra disponível para a atividade agrícola.

Nas regiões dos trópicos ou de baixas latitudes, o desmatamento constitui um dos problemas mais graves (Conti, 2011) e vem ocorrendo de forma acelerada (Marquez Filho, 2018). Esta devastação em decurso das florestas tropicais é um processo de alta gravidade, que ameaça existencialmente a biosfera terrestre (Marquez Filho, 2018). Estimativa do World Wildlife (WWF) reconhece que mais de 40% das florestas já foram devastadas e apresenta os países onde o desmatamento é mais intenso, como, por exemplo, Filipinas, Tailândia, Malásia, Índia, Blangladesh, Sri Lanka, Costa do Marfim, Congo, Nigéria, Gana, Haiti e Brasil (Conti, 2011).

No caso do Haiti, observa-se que historicamente o país vem enfrentando problemas em decorrência da elevada taxa de desmatamento e que este problema pode contribuir para aumentar a sua sensibilidade em relação a ocorrências de fenômenos naturais (recorrentes) como terremoto, furacão, secas e enchentes.

Pelo fato do desmatamento contribuir para agravar os impactos ocasionados por estes fenômenos físicos, promovendo reflexos, inclusive, na qualidade de vida da população deste país, a preocupação com a questão ambiental no Haiti constitui um tema de indiscutível relevância. Nesta perspectiva, o presente estudo objetiva descrever e analisar as principais causas e consequências do desmatamento no território haitiano, desde o período colonial até os dias atuais.

Posteriormente, pesquisadores de diversas partes do mundo vêm demonstrando que a devastação das florestas reflete no clima. Para Conti (2012) devido a esta devastação, grandes extensões de solos nus ficam expostas, episódio que contribui para alterar a refletância da superfície, aumentando os valores do albedo. Ainda, segundo este autor, este fato impulsiona à redução de energia térmica disponível, implicando na ausência de formação de correntes convectivas ascendentes e, consequentemente, no desestímulo da formação de precipitações pluviométricas. Marquez Filho (2018) também corrobora com esta discussão. Ele relata pesquisas demonstrando que áreas desmatadas de apenas algumas centenas de hectares são capazes de alterar a circulação no ar na baixa atmosfera, afetando a formação de nuvens locais e a pluviometria. Além disso, pesquisas relatadas por este autor destacam que a massa de ar quente e seca das áreas desmatadas propende a subir, gerando zonas de baixa pressão atmosférica e de convecção, facilitando a formação de tempestades. O ar fresco e úmido sobre as florestas é sugado por esse vácuo, diminuindo a umidade das florestas e reforçando a probabilidade de ocorrência de tempestades locais.

Embora a discussão apresentada acima não seja objeto deste estudo, trazê-la em questão é fundamental devido o elevado grau de desmatamento no território haitiano, o que, consequentemente, deve influenciar no padrão climático deste local, sujeito a frequentes ocorrências de eventos físicos. Para tanto, é imprescindível a compreensão destes fenômenos, bem como a interferência da ação antrópica na ocorrência destes eventos naturais.

Procedimentos metodológicos

A pesquisa foi desenvolvida preliminarmente com a visão geral sobre os problemas ambientais de âmbito nacional (no território Haiti) que provém desde a colonização. Para tanto, a análise do estado ambiental da área estudada foi realizada a partir de uma visão geossitêmica, uma vez que a partir desta abordagem a natureza passa a ser entendida pelas conexões entre os diferentes fatores naturais.

Adicionalmente, procuraram-se dados bibliográficos sobre os temas de funcionalização, espaço urbano e legislação urbana. Foram consultados os acervos documentais do Institut Haitien de Statistique et d’informatique – IHSI e le Ministère de l’environnement, tendo como objetivo levantar informações que subsidiassem a análise da dinâmica de ocupação, uso de solo urbano na área de estudo e, especialmente, relatar o cenário ambiental.

Consultou-se, também, fontes, como, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU, 2010) e AlterPresse, periódico de grande circulação no país, para descrever os danos registrados no Haiti após a ocorrência de catástrofes naturais (furacões, inundações e terremotos). Do ponto de vista cartográfico, foi elaborado o mapa de localização da área de estudo, na escala 1: 100.000, utilizando imagens orbitais, disponibilizadas no Google Earth, manipulada no soltware Arc Gis 10.1.

Tendo em vista a carência de estudos sobre o tema em questão, deu-se preferência pela pesquisa exploratória, definida por Marconi e Lakatos (2001) como estudos que têm por objetivo a formulação de um problema com a finalidade de aumentar a familiaridade dos pesquisadores com um ambiente, fato ou fenômeno, para realização de pesquisas futuras mais aprofundadas no âmbito de propor soluções.

Resultado e discussões

Muitas das problemáticas sócio-ambientais resultaram do processo de colonização deste país, sendo assim, para um entendimento mais amplo do atual cenário ambiental faz-se necessário abordar os efeitos ocasionados ao longo deste contexto histórico. Assim, é importante destacar que os primeiros habitantes adotavam práticas pautadas na conservação da natureza. Contudo, com a chegada dos espanhóis houve uma mudança no estilo de vida dos indígenas, refletindo no quadro político, social, ambiental e econômico da região. A própria origem do nome Haiti, segundo Dorsinvil (1934), deriva do termo indigna “Ayiti”, que significa terras montanhosas. Nome herdado dos primeiros habitantes da ilha, os índios Tainos do grupo Arawaks. A população Taino da ilha foi dizimada rapidamente, devido a uma combinação de doenças, maus-tratos pelos espanhóis, e também pela invasão dos índios antropófagos do grupo caraíbas que vem das ilhas vizinhas. Chegando à ilha em 1492, Cristóvão Colombo a chamou Hispagnola ("Pequena Espanha") e Hispaniola, em francês, em homenagem aos seus patrocinadores.

De acordo com l’Institut Haitien de Statistique e d’Informatique (IHSI, 2002), a república do Haiti ocupa uma área de 27.750 km2 e um o terço ocidental da ilha de Hispaniola (76.115 km2) que compartilha com a República Dominicana. O Haiti está localizado entre 18o e 20o 6' de latitude norte e entre 71o 20' e 74o 30' de longitude oeste. Limitado a norte pelo Oceano Atlântico, a oeste e sul pelo mar do Caribe, a leste pela República Dominicana (RD). A costa haitiana se estende por 1535 km, com uma plataforma continental relativamente estreita de 5000 km2. O território haitiano inclui também cinco ilhas satélites: La Gonave (670 km2), La Tortue (180 km2), Ile-à-vache (52 km2), Cayemites (45 km2) e La Navase (7 km2). A figura 1 mostra a localização geográfica do Haiti.

Figura 1: Localização geográfica da república do Haiti.

Fonte: Elaborado pelo autor através dos dados do USGS, 2018.

O Bureau des Mines et de l’Energie (1992) apresenta o Haiti como um país essencialmente montanhoso (~ 80%) com terreno muito acidentado, com a presença de 30 grandes bacias hidrográficas ou unidades hidrológicas. Mais de um terço do território está entre 200 e 500 metros de altitude, 40% acima de 500 metros e 17% superior a 800 metros em relação ao nível do mar. Sob outra perspectiva, mais da metade das terras têm declives superiores a 40% e um quarto do território é formado por planícies.

Raízes do desmatamento no Haiti e as suas causas

De acordo com ROC (2008), o desatamento no Haiti começou em 1492, com a chegada de Cristóvão Colombo, sendo que, mais de 80% da ilha Ispanhola (Haiti e Republica Dominicana) estava coberta de vegetação exuberante. A autora afirma que o desmatamento começou no final do século XVII por colonos franceses que destruíram milhares de hectares de floresta virgem para plantar cana-de-açúcar, algodão e café. Assim, de acordo com a mesma, durante este período há uma destruição sistemática do ambiente porque para operar os fornos de tijolos, as máquinas, dentre outros, foram retiradas grande parte das florestas (não replantadas).

Na discussão do geógrafo Michel retomado por Roc (2008), o autor afirma que antes da ocupação Americana no Haiti (1915- 1934) a cobertura florestal do território haitiano representava 60%, já depois da ocupação, em 1945, a cobertura florestal passou de 60% a 21% e em 1954 houve declínio para um percentual em torno de 9%. Esta situação de desmatamento se intensificou durante os trinta anos de ditadura do presidente Jean-Claude Duvalier (papa Doc) que trouxe milhões de habitantes das áreas rurais para residir em Porto Príncipe, cujo objetivo era fortalecer o seu poder. Devido às boas condições de saneamentos básicos na capital haitiana naquela época, os migrantes não regressaram para as áreas rurais, além disso, o governo não financiou o retorno destes à sua terra natal.

O processo histórico relatado pode ser uma das explicações para entender a degradação ambiental ao redor de Porto Príncipe. A população local suprimiu a vegetação natural para a construção habitacional sem recorrer as normas legais. Este fato também contribuiu para propulsionar a formação das primeiras favelas no Haiti, implicando em cenários como desflorestação, erosão de perda de solo, insalubridade urbana, perda de biodiversidade, exploração de forma desordenada nas áreas de mineração, degradação do ecossistema marinho, urbanização, pressão demográfica e pobreza (Roc, 2008).

Diamond (2005) citado por Prospere e Martin (2011) compara a situação ambiental dos dois países (Haiti e República Dominicana) que dividem a Ilha Ispanhola, constatando que ambos os países perderam florestas, mas o maior impacto é registrado no Haiti, onde se observa apenas sete trechos substancialmente arborizados (conforme mostra figura 2), e destes, somente dois são protegidos como parques florestais, ambos sujeitos à atividade de madeireira ilegal. O autor afirma que atualmente 28% da República Dominicana ainda são cobertas de florestas, enquanto o Haiti tem 1% de cobertura vegetal.

De acordo com estes autores, a diferença florestal e ambiental entre esses dois países refletem em vários aspectos, tais como na economia, agricultura e no social. Reconhecidamente, a República Dominicana e o Haiti são países pobres, que passaram por complexas problemáticas, como a maioria dos países tropicais, no seu processo de colonização europeia, o que originou problemas como corrupção e deficiências no ramo da saúde, educação e no setor agrícola.

A agricultura, em particular, é considerada uma das principais atividades econômicas do Haiti, visto que a metade da população deste país reside em áreas rurais e obtém a sua renda desta atividade. Contudo, esta atividade pode gerar impactos negativos no cenário ambiental, quando praticada de maneira inadequada e com o uso irracional dos recursos naturais.

Em contrapartida, devido às particularidades geográficas do Haiti, o setor agrícola está exposto aos efeitos ocasionados por eventos físicos como, por exemplo, furacão e constantes episódios de seca. Além disso, observa-se que a perda do solo causado, inclusive, pela supressão da vegetação, foi um fator que contribuiu para a redução expressiva da produção agrícola, levando, consequentemente, o Haiti à condição de um país importador de alimento (PNUE, 2012).

Tendo em vista este panorama, torna-se de singular importância amplificar os estudos sobre o estado ambiental do Haiti, buscando ao longo desta perspectiva auxiliar na formulação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis e programas educacionais de manejo agrícola, evitando intensificar as fragilidades ambientais.

Figura 2: A diferença da cobertura florestal na fronteira entre o Haiti e a República Dominicana.

Fonte: PNUE, 2010

Tendo em vista, o crescente desmatamento alimentado pelo consumo excessivo de madeira, o Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (PNUD, 2012), criou o projeto binacional chamado "Fronteira Verde" que objetiva a criação de um ambiente favorável para restaurar os ecossistemas transfronteiriços e reduzir a vulnerabilidade aos efeitos do clima e suas oscilações, visando melhorar as condições de vida das populações haitiana e dominicana. Cerca de 1,5 milhão de plântulas são plantadas para o reflorestamento de 1.000 hectares na bacia hidrográfica de Aquin (sul do Haiti). Durante esta atividade, mais de 3.600 empregos temporários foram criados por mês em 2012. O programa não alcançou o resultado esperado, pois, não tinha um plano para o futuro das plântulas.

Na lei florestal de 24 de Maio de 1962, o Art 191 aponta que “nenhuma exploração florestal estadual para corte, corte ou extração de resina, goma ou látex pode ser concedida a um indivíduo ou a uma empresa, exceto por força de uma decisão do Conselho de Secretários de Estado e especificações elaboradas pelo Departamento da Agricultura, Recursos Naturais e Desenvolvimento Rural”. No entanto, tem-se constatado, na prática, uma ampliação da remoção de árvores.

De acordo com o Ministère de l’Environnement (MDE) (2016), mais de 80% da população Haitiana utilizam o carvão de madeira como fonte de energia, o que explica o elevado grau de desmatamento. Para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUE, 2012), o carvão vegetal e a madeira são as principais fontes de energia disponíveis para operar micro, pequenas e médias empresas, incluindo restaurantes e padarias. O estudo revela que os proprietários de "guildives" e destilarias abatem mais de 53.300 árvores por ano para satisfazer as necessidades industriais. Por outro lado, os pequenos restaurantes que estão nas áreas rurais e urbanas consomem cerca de 250.000 toneladas métricas de carvão por ano.

O relatório apresentado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (2016), afirma que nas áreas urbanas, estima-se que 90% das famílias utilizam o carvão como fonte de energia. Em Porto Príncipe, avalia-se que pelo menos 600.000 famílias usam o equivalente a um pote (figura 03) de carvão por dia para cozinhar. Nesse ritmo, observa-se que entre 2,5 e 7,3 milhões de sacas de carvão de tamanho normal são consumidas na cidade a cada ano.

Nas áreas rurais, onde cerca de 80% das famílias usam madeira (geralmente coletada no chão) para atender as suas necessidades, a produção de carvão é um meio essencial de obter renda para manter o acesso de serviços escolares e de saúde. A cadeia de fornecimento para produção de carvão vegetal inclui produtores, transportadores, comerciantes ou intermediários em vários níveis, e mulheres que vendem "varejo" ou pequenas quantidades em mercados (PNUE, 2016). Merat (2012) afirma que em torno do carvão instala-se uma grande atividade comercial. Aproximadamente 350.000 pessoas estão diretamente envolvidas na produção e comercialização deste produto, gerando entre 60 a 85 milhões de dólares por ano e cerca de 30% da renda do carvão vegetal é redistribuída nas áreas rurais. A Figura 3 mostra didaticamente o processo de transformação da madeira em carvão.

Figura 3: Processo de transformação de madeira em carvão

Fonte: PNUE, 2016

No mundo, a perda de áreas florestais é causada por múltiplos fatores de natureza antropogênica e, alguns casos, resultante da própria dinâmica natural. Uma das consequências mais conhecidas do desmatamento é a ameaça da biodiversidade (Marquez Filho, 2018). Ao destruir esses ambientes naturais, as atividades humanas ameaçam a existência de certas espécies e isso pode ter efeitos significativos nos equilíbrios naturais, enfraquecendo especialmente o solo. Assim sendo, quando uma área florestal é destruída, o solo se torna cada vez mais frágil e torna o ecossistema mais vulnerável a desastres naturais, como deslizamentos de terra ou inundações.

O MDE (2015) aponta que a erosão tem gradualmente eliminado três centímetros (3 cm) de solo fértil nas últimas 4 décadas e, em média, no país. Assim, a erosão hídrica causa para todo o país uma perda anual de terra estimada em cerca de 37 milhões de toneladas, o que corresponde a uma perda média de cerca de 15 MT / ha / ano no território. Para Merat (2012), o grau de erosão e o volume de sedimentação nas bacias de captação, particularmente o do rio Grise, seriam maiores durante a segunda estação chuvosa. Assim sendo, o desmatamento associado à forte pressão agrícola nas fazendas marginais, acelera a erosão do solo, o que aumenta o volume de sedimentos transportados pelos rios e degrada a qualidade da água das terras altas e a jusante. Esta realidade pode se constituir em mais um fator limitante para o reflorestamento no Haiti.

A falta de um programa de educação ambiental eficiente também pode refletir no atual estado ambiental no Haiti, uma vez que, em alguns casos, a retirada de floresta pode estar relacionada com a falta de educação ambiental. Aparentemente, a crise ambiental é um desafio de alta magnitude para os governos que não apresentam uma política adequada de gestão eficaz e duradoura. Assim sendo, a incapacidade do Haiti de lidar com os eventos extremos e os problemas ambientais é resultado da soma de vários fatores.

Além do mais, a corrupção atinge o meio político, bem como o meio ambiente e dificulta a sua preservação, visto que muitas vezes as proteções ambientais são ignoradas (Rigo e Moares, 2008). Adicionalmente, a fraqueza dos mandatos institucionais e legais e o baixo nível de implementação das políticas e leis ambientais, em que as soluções políticas carecem de mais clareza em decorrência do jogo de interesses diversos e à baixa visibilidade dos resultados alcançados, comprometem a governança ambiental (LE Prestre, 2003). Este autor ainda destaca que é papel do Estado identificar e definir o problema e as ações, priorizar os problemas ambientais na agenda pública e decidir sobre a repartição dos custos e arbitragens aceitáveis, com a finalidade de alcançar a qualidade do meio ambiente.

A sensibilidade do Haiti em relação à ocorrência de eventos meteorológicos

Dentre os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, o Haiti é o país com o maior índice de vulnerabilidade a furacões. Durante o século XX, o país sofreu 56 desastres naturais reconhecidos internacionalmente.

Devido ao seu alto grau de vulnerabilidade ambiental, o país está exposto a expressivos danos sócio-ambientais durante a temporada de ciclones, com ocorrência anual de maio a novembro. Entre os anos de 2004 a 2008, registraram-se desastres naturais como fortes ventos, inundações, deslizamentos de terras e de lama, que ocasionaram prejuízos consideráveis sobre o meio ambiente e a saúde da população. Além dessa vulnerabilidade ambiental, alguns fatores sociais, como a pobreza, a instabilidade política, a rápida urbanização e a fragilidade do Estado tornam o Haiti mais sensível às consequências danosas dos desastres naturais (GRH, BM, SNU, CM, 2008). A figura 4 ilustra alguns casos de desastres naturais registados no Haiti.

Figura 4: Desastres meteológicos registados no Haiti

Fonte: MDE, 2016

Em setembro de 2004, após a passagem do furacão Jeanne, a região costeira do norte da República do Haiti foi atingida por violentas inundações que afetaram os municípios do departamento de Artibonite. O município de Gonaïves foi o mais afetado, registrando 3.000 óbitos e diversas perdas materiais. De acordo com o relatório do GRH, BM, SNU e CM (2008), os custos dos danos causados pelo furacão Jeanne, em 2004, somaram 10 bilhões de Gourdes, que é equivalente a 265 milhões de dólares, o que corresponde a 7% do PIB, 18% do investimento interno e 6% da dívida externa. Dessa maneira, o aumento da procura de madeira para satisfazer as necessidades da população devido à falta de alternativas acessíveis acelerou entre 2004 e 2008, assim como aumentou a pressão sobre a terra arável, especialmente nas zonas montanhosas.

Desta forma, a ocorrência de desastres naturais pode favorecer uma aceleração do processo de desmatamento, já que devido aos danos provocados por estes eventos vão implicar na retirada de árvores para a reconstrução de casas, estábulos, edifícios, cercas, pontes, tábuas (pranchas de madeiras) (4%) e os chamados troncos ou postes usados na construção (1%) (Merat, 2012).

O autor observou um aumento considerável na eliminação de floresta, a partir de 12 de janeiro de 2010 (ocorrência do terremoto), constatando que em sua maioria são de ordem exógena, além disso, aponta que a ajuda humanitária pós-sísmica vai impulsionar a geração de novos aceleradores (de cunho socioeconômico) no processo de desmatamento no Haiti. Este autor afirma que os levantamentos de campo revelam que 95% dos recursos de madeira colhida são utilizados para fins energéticos.

A tabela 01 apresenta o impacto provocado pelos desastres naturais nos diferentes setores, a saber, social, produtivo, infraestrutura e ambiental, demonstrando que os maiores prejuízos ocorreram no setor de produção (agricultura, indústria, comércio e turismo).

Tabela 01: Efeito total do desastre por setores (em milhões de dólares)

SETOR

Danos

Perdas

Total

Parte Pública

Parte Privada

Balança de pagamentos

Setor Fiscal

Setores Sociais

195,26

28,74

224,00

47,95

176,05

42,80

22,08

Educação

27,91

1,14

29,05

14,60

14,45

3,28

1,13

Saúde

9,94

5,20

15,14

14,86

0,28

7,11

2,54

Habitação

157,41

22,40

179,81

18,49

161,32

32,41

18,42

Setores Produtivos

108,55

320,68

429,23

5,00

424,23

381,23

1,97

Agricultura

67,30

130,50

197,80

5,00

192,80

361,43

N/a

Indústria

17,50

109,20

126,70

0,00

126,70

N/a

N/a

Comércio

18,10

61,30

79,40

0,00

79,40

N/a

N/a

Turismo

5,67

19,68

25,33

0,00

25,33

19,80

1,97

Infraestrutura

87,78

71,44

159,22

76,24

82,98

55,82

12,32

Água e Saneamento

13,16

6,35

19,51

11,83

7,68

5,96

7,10

Eletricidade

5,62

2,08

7,70

7,70

0,00

0,76

2,30

Transporte

69,00

62,40

131,40

56,10

75,30

49,10

2,30

Telecomunicação

0,00

0,61

0,61

0,61

0,00

nd

nd

Setor transversal

84,94

0,00

84,94

84,94

0,00

81,81

135,41

Meio Ambiente

84,94

0,00

84,94

84,94

0,00

N/a

28,21

TOTAL

476,53

420,86

897,39

214,13

683,26

561,66

171,78

Fonte: Relatório do Governo da República do Haiti (GRH), do Banco Mondial (BM), do Sistema das Nações Unidas (SNU), junto com a Comissão Europeia (CM), (2008).

Segundo as estimativas a Direção da Proteção Civil (DPC, 2016), o número de pessoas atingidas durante a passagem da furação em 2008 chegaria a mais de 80.000 pessoas, ou seja, 80% da população. As ruas foram submersas e a maioria das casas, consideradas como construções anárquicas, foram destruídas. A outra parte desta região não está isenta aos efeitos produzidos por este cataclismo sem precedentes, onde 56 corpos foram encontrados na cidade de Port-de-Paix e 17 vítimas foram registradas na cidade de Terre-Neuve. A proteção civil afirma que de maneira geral os setores produtivos foram os mais afetados, seguidos pelos setores sociais, infraestrutura e meio ambiente (figura 5).

Conforme demonstrado, o Haiti está entre os países que apresentam um elevado grau de desmatamento, um dos maiores problemas ambientais, que gera intensos impactos nos diversos ambientes físicos. Caso as autoridades locais não priorizem ações eficazes de controle deste problema ambiental que acompanha o povo haitiano durante este longo período da sua história, o desmatamento pode intensificar e torna o meio ambiente cada vez mais vulnerável (MARNDR). (2012).

Considerações finais e discussões

A título de encerramento, os resultados demonstram a extrema importância de abordar o estado ambiental que acompanha o país ao longo de sua história, bem como a pobreza, a miséria e seu impacto na saúde da população, que conforme visto, não surgem de forma isolada, mas como a soma de um conjunto de fatores. O subdesenvolvimento e a pobreza no Haiti são uma construção histórica de mais de 500 anos, brutalmente planejados e combinados pelos países imperialistas. O que significa dizer que as suas raízes se iniciaram a partir do processo da dominação europeia durante o período colonialista mercantilista em 1492.

Por outro lado, destacamos que este intenso desmatamento no Haiti pode contribuir significativamente para a sensibilidade deste território à ocorrência de eventos como secas, inundações, furacões e terremotos, ampliando inclusive os desafios e dificuldades do manejo dos graves problemas ambientais instalados neste país. Dentre as possíveis ações que visam melhorar o estado ambiental no Haiti, há uma verdadeira urgência com aplicação de medidas socioeducativas que visem combater a degradação do meio ambiente. Uma substituição do carvão vegetal utilizado como fonte de energia por cerca de 80% da população poderia ser uma solução efetiva na luta contra a desflorestação que pode contribuir para aumentar à sensibilidade deste território as manifestações de fenômenos meteorológicos e climáticos e, concomitantemente, intensificando a pobreza na região.

Devem ser consideradas ainda ações que definam medidas estruturais na efetivação do planejamento e controle do uso da terra, de modo que sejam atribuídos a cada área usos compatíveis com suas características físicas, assim como restrições à ocupação, sobretudo ao assentamento urbano desordenado. Um programa de reflorestamento destinado à recuperação de áreas degradadas poderia ser o pano de fundo para a diminuição do grau de sensibilidade do território haitiano frente aos eventos naturais. A adoção destas medidas pode garantir a médio e longo prazo a reparação ambiental e preservação dos recursos naturais.

Referências

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1 Mestrando em Geografia, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil. Correo electrónico: cralph001@yahoo.fr. https://orcid.org/0000-0002-1942-1062

2 Professora,doutora, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil. Correo electrónico: reginacoliveira@unicamp.br

3 Doutorando em Geografia, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil. Correo electrónico: rafauniversitario16@hotmail.com


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