Revista UNICIENCIA
Vol. 35, N° 1. January-June, 2020
E-ISSN: 2215-3470
DOI: https://dx.doi.org/10.15359/ru.35-1.9
Uso de tabelas de frequências por futuros professores na realização de trabalhos de projeto
Use of frequency tables by prospective teachers to conduct project work
Uso de tablas de frecuencias por futuros maestros en la realización de trabajos de proyecto
José António Fernandes1 • Gabriela Gonçalves2 • Paula Maria Barros3
Received: Jan/17/2020 • Accepted: Apr/28/2020 • Published: Jan/31/2021
Resumo Neste estudo analisa-se a construção e a leitura e interpretação de tabelas de frequências usadas por estudantes, futuros professores dos primeiros anos, na realização de trabalhos de projeto de natureza investigativa. No estudo participaram 56 estudantes do 2.º ano da Licenciatura em Educação Básica, de uma universidade do Norte de Portugal, que se organizaram em pequenos grupos para desenvolverem os trabalhos de projeto. Os dados usados no estudo, relativos às tabelas de frequências e à sua leitura e interpretação, foram obtidos dos relatórios dos trabalhos de projeto que os estudantes elaboraram. Em termos dos resultados do estudo, salienta-se a determinação de tipos de frequências não adequados, concretamente a determinação de frequências acumuladas de valores de variáveis qualitativas nominais, e na leitura e interpretação da informação das tabelas, dos três níveis de Curcio, os estudantes apresentaram respostas, quase sempre, nos dois primeiros níveis, ler os dados e ler entre os dados, e quase nunca no terceiro nível, ler para além dos dados. Palavras-chave: tabelas de frequência; trabalho de projecto; futuros professores; educação matemática; estatística; formação de professores; ensino primário Abstract This study analyzes the creation, as well as the reading and interpretation of frequency tables used by student teachers to conduct research project work. Participants in this study included 56 2nd-year students from the Basic Education Program of a university in northern Portugal who were part of small groups to conduct project work. Data used in the study regarding frequency tables and how to read and interpret them was obtained from the project work reports prepared by the students. Results highlight the determination of incorrect frequency types, namely determining accumulated frequencies of values of nominal qualitative variables, and how, when reading and interpreting the information in the tables regarding Curcio’s three levels, students almost always offered answers for the first two levels, reading the data and reading within the data, and rarely for the third level, reading beyond the data. Keywords: frequency tables; project work; future teachers; mathematics education; statistics; teacher training; primary education. Resumen En este estudio analizamos la construcción y lectura e interpretación de las tablas de frecuencia utilizadas por los estudiantes, futuros maestros, en la realización de trabajos de proyecto de naturaleza investigativa. En el estudio participaron 56 alumnos del segundo año del grado de Educación Básica, de una universidad del norte de Portugal, que se organizaron en pequeños grupos para desarrollar los trabajos de proyecto. Los datos empleados en el análisis, relativos a las tablas de frecuencias y su lectura e interpretación, se obtuvieron de los informes preparados por los estudiantes. En términos de los resultados, vale la pena destacar la determinación de tipos de frecuencias inapropiadas, a saber, las acumuladas de valores de variables cualitativas nominales, y al leer e interpretar la información en las tablas, de los tres niveles de Curcio, los estudiantes presentaron respuestas, casi siempre, en los primeros dos niveles, leer los datos y leer dentro de los datos, y casi nunca en el tercer nivel, leer más allá de los datos. Palabras clave: tablas de frecuencias; trabajos de proyecto; futuros maestros; educación matemática; estadística; formación de maestros; educación primaria |
Atualmente, cada vez mais investigadores, pedagogos e docentes preconizam o ensino da Estatística através de projetos pois tais experiências de aprendizagem permitem aos estudantes desenvolver competências que futuramente lhes poderão ser muito úteis para resolver as variadas tarefas que, provavelmente, terão de enfrentar, seja ao nível pessoal, social ou profissional (Batanero, Díaz, Contreras & Arteaga, 2011; Hawkins, Jolliffe & Glickman, 1992; MacGillivray & Pereira-Mendoza, 2011).
A experiência de aprender Estatística a partir de tarefas mais abertas, como é o caso dos projetos e aplicações práticas, requer que os estudantes desenvolvam competências que não intervêm nas tarefas de natureza mais fechada (Hawkins et al., 1992). Desde logo, os estudantes têm de decidir quais os métodos estatísticos que devem ser usados na análise em questão, os quais, por sua vez, dependem do tipo de variável estatística e dos dados envolvidos. Esta primeira decisão sobre os métodos estatísticos a usar, que geralmente está ausente na resolução de tarefas mais fechadas, é da maior relevância num estudo estatístico, pois ela condiciona todo o tratamento e análise estatística subsequentes. A escolha de métodos não adequados pode ter como consequência a obtenção de resultados e interpretações desajustadas à situação em estudo.
Uma vez selecionados os métodos estatísticos a serem usados na análise estatística, é necessário implementá-los para obter os resultados do estudo, que se podem representar através de tabelas de frequências, gráficos ou medidas estatísticas. Seguidamente, espera-se que os estudantes leiam e interpretem esses resultados. Nessa leitura e interpretação de informação, representada em tabelas e gráficos, pode-se recorrer à taxonomia de Curcio (1989), que contempla três níveis de leitura e interpretação.
No presente estudo, relativo ao uso de tabelas de frequências na realização de trabalhos de projeto por estudantes, futuros professores dos primeiros anos, estudam-se e caracterizam-se as tabelas de frequências por eles elaboradas nos relatórios dos seus trabalhos de projeto e examina-se a leitura e interpretação da informação dessas tabelas recorrendo à taxonomia de Curcio (1989).
Nas secções seguintes clarifica-se e aprofunda-se o enquadramento teórico do estudo, refere-se a metodologia adotada, analisa-se a construção e a leitura e interpretação das tabelas constantes dos relatórios dos trabalhos de projeto dos estudantes e, por último, sintetizam-se os principais resultados do estudo e extraem-se algumas implicações didáticas para a formação destes futuros professores dos primeiros anos.
Para se desenvolver o sentido crítico em relação à informação disponível, compreender e comunicar ou tomar decisões do mais variado tipo não é suficiente efetuar desenvolvimentos teóricos e resolver exercícios. Antes, impõe-se uma abordagem prática da Estatística, que envolva situações dos próprios alunos e/ou que sejam do seu interesse (Fernandes, Carvalho & Ribeiro, 2007). Para isso, o ensino da Estatística com base em projetos, em que se espera que os estudantes formulem questões de estudo, coletem dados, os comparem e tratem, tirem conclusões e elaborem relatórios (Hawkins et al., 1992), constitui uma estratégia adequada para o desenvolvimento do sentido estatístico.
Na realização de um trabalho de projeto identificam-se diferentes etapas sequenciais, como foi exemplificado no parágrafo anterior. De modo semelhante, Wild e Pfannkuch (1999), no âmbito do ciclo investigativo, definiram o modelo PPDAC, constituído por cinco etapas: Problema (P); Plano (P); Dados (D); Análise (A) e Conclusões (C). Naturalmente que em primeiro lugar requer-se a existência de um problema a resolver, após o que será necessário divisar um plano de resolução, recolher dados, organizar e analisar esses dados e, por fim, extrair conclusões. Embora os estudantes devessem atender a essas cinco etapas, as quais lhes foram sugeridas tendo em vista a estruturação do trabalho, neste estudo focamo-nos, sobretudo, em duas delas: Análise e Conclusões.
Tal como referimos antes, o trabalho de projeto apresenta peculiaridades próprias e/ou mais vincadas do que outros tipos de tarefa. Nesse sentido, Hawkins et al. (1992) preconizam que “um projeto deve proporcionar aos alunos o treino, a motivação, a capacidade e a confiança para enfrentar problemas estatísticos exteriores ao contexto escolar, que os ajudarão mais tarde no mundo do emprego” (p. 126). Analogamente, corroborando alguns desses aspetos, Batanero et al. (2011) defendem o ensino da Estatística com base em projetos pois ela é inseparável das suas aplicações, aumenta a motivação dos alunos e releva o contexto e a natureza realista das tarefas.
Frequentemente o trabalho de projeto é desenvolvido pelos alunos organizados em pequenos grupos que, segundo Petocz e Reid (2007), apresenta vários aspetos positivos, designadamente: permite desenvolver tarefas mais compreensivas, expor os alunos aos pontos de vista dos outros membros do grupo e encorajar os alunos a prepararem-se para o ponto de vista real, que cada vez mais implica o trabalho de grupo; capacita os alunos a desenvolver as dinâmicas e os processos de grupo, bem como competências interpessoais; e promove a reflexão e a discussão como parte essencial do processo de se tornarem práticos competentes e reflexivos.
Num estudo em que estiveram envolvidos alunos do ensino profissional, Fernandes, Viseu, Fernandes, Silva e Duarte (2009) verificaram que os alunos manifestaram opiniões favoráveis sobre a intervenção de ensino em que participaram, designadamente: o trabalho de projeto, destacando-se a ligação da Estatística às suas vidas, a escolha de um tema do seu interesse e aprender melhor por si próprio; e o uso da folha de cálculo na realização do trabalho de Estatística possibilitou-lhes mais tempo para pensar, discutir e interpretar.
Analogamente, num estudo mais recente, Fernandes, Júnior e Vasconcelos (2013) concluíram, em termos globais, que alunos do 7.º ano revelaram uma reação muito favorável a uma estratégia de ensino que resultou da integração das três seguintes componentes: adoção de uma metodologia de trabalho de projeto; promoção do trabalho em pares e discussão no grupo-turma e recurso a tecnologia, sobretudo a folha de cálculo.
Na realização de qualquer trabalho, as tabelas de frequências, objeto de estudo neste trabalho, desempenham um papel importante na representação e resumo da informação. As tabelas de frequências são objetos matemáticos relativamente simples, sobretudo quando envolvem apenas uma variável estatística. Por outro lado, nestas tabelas pode-se incluir dois tipos de frequências diferentes: simples (absolutas e relativas) e acumuladas (absolutas e relativas).
Previsivelmente, as frequências simples não oferecerão dificuldades aos estudantes uma vez que elas se aplicam a qualquer tipo de variável estatística. Já as frequências acumuladas poderão apresentar alguma dificuldade, pois a sua determinação implica a existência de uma relação de ordem e, portanto, não podem ser determinadas em variáveis estatísticas nominais. Esta dificuldade foi largamente confirmada num estudo de Fernandes, Batanero e Gea (2019), em que, numa situação-problema proposta a estudantes, futuros professores dos primeiros anos, quase todos eles determinaram frequências acumuladas de uma variável qualitativa nominal.
Além disso, analogamente aos gráficos estatísticos, em que os estudantes, frequentemente, omitem o título e as designações dos eixos (Fernandes et al., 2019; Ruiz, Arteaga & Batanero, 2009), também será de esperar que os estudantes omitam os títulos das tabelas de frequências.
Finalmente, a leitura e interpretação da informação das tabelas de frequências constitui o culminar do trabalho de projeto ao permitir estabelecer as conclusões e confrontá-las com a solução do problema de pesquisa. Para Curcio (1989), a leitura e interpretação de tabelas e gráficos classifica-se em três níveis: no primeiro nível, ler os dados, o aluno identifica dados apresentados explicitamente no gráfico, através da leitura de factos que nele estão representados; no segundo nível, ler entre os dados, o aluno interpreta e organiza a informação fornecida pelos dados, combinando e integrando a informação e identificando relações matemáticas através de algum conhecimento prévio sobre o assunto tratado na tabela ou gráfico; por fim, no terceiro nível, ler para além dos dados, o aluno infere a informação total e tem um conhecimento prévio aprofundado sobre o contexto dos dados, conseguindo responder a questões cujas respostas requerem o uso de informação implícita no gráfico, extrapolando, predizendo ou fazendo inferências.
Nesta investigação estuda-se a construção e leitura e interpretação de tabelas de frequências nas atividades desenvolvidas por estudantes, futuros professores dos primeiros anos, no âmbito da realização de trabalhos de projeto de natureza investigativa. Participaram no estudo 56 estudantes do 2.º ano do curso de Licenciatura em Educação Básica, de uma universidade do Norte de Portugal. Esse grupo de estudantes era muito heterogéneo no que diz respeito à sua formação matemática à entrada na universidade. Alguns tinham tido formação matemática apenas até ao 9.º ano (final da escolaridade básica), enquanto outros frequentaram disciplinas de matemática do ensino secundário em cursos de humanidades, científico-humanísticos ou profissionais, disciplinas essas com programas relativamente diferenciados. Este facto pode explicar os diferentes graus de dificuldade experienciados pelos estudantes nas disciplinas de matemática que tinham frequentado, entretanto, na universidade, conforme se verificou nas classificações por eles obtidas na disciplina.
Os trabalhos de projeto, de natureza investigativa, incidiram sobre o tema de Estatística e integraram-se na disciplina de Probabilidades e Estatística, constituindo uma das componentes de avaliação dos estudantes nessa disciplina. Essa disciplina integra-se no 2.º ano do curso, tem uma carga horária de três horas semanais e tem cinco unidades de crédito (sistema europeu de transferência de créditos).
Para a realização dos trabalhos de projeto, os estudantes organizaram-se em pequenos grupos, perfazendo um total de 18 grupos, 16 com três estudantes e 2 com quatro estudantes. Tendo em vista preservar o anonimato, estes grupos foram codificados sob a designação Gi , com i = 1, 2, ... , 18. A constituição dos grupos foi decidida pelos estudantes, que se juntaram de acordo com os seus interesses e conveniências, tendo sido requerido apenas que os grupos deviam ter exatamente três estudantes e, eventualmente, um ou dois com quatro se o número total de estudantes assim o exigisse.
A realização dos trabalhos de projeto aconteceu, essencialmente, fora das atividades letivas da disciplina de Probabilidades e Estatística, tendo os estudantes dos grupos assumido um considerável grau de autonomia. Neste contexto de trabalho, em termos de orientação do docente, os estudantes puderam contar com apoio bibliográfico, com sessões de atendimento extra-aulas onde poderiam esclarecer as suas dúvidas e de uma aula. Nessa aula, após terem estabelecido as questões de investigação e preparado o método de recolha de dados, os estudantes de cada grupo puderam explicar e discutir com o docente as suas propostas para o desenvolvimento do seu trabalho de projeto.
Na elaboração dos trabalhos de projeto foi sugerido aos estudantes que seguissem as etapas do ciclo investigativo (PPDAC) de Wild e Pfannkuch (1999): Problema (P); Plano (P); Dados (D); Análise (A) e Conclusões (C). Para tal, além de alguma orientação do docente da disciplina de Probabilidades e Estatística, sobretudo nas duas primeiras etapas, essencialmente, foram os estudantes que definiram as diferentes etapas do trabalho de projeto. Neste estudo iremos focar-nos apenas em duas etapas do ciclo investigativo: Análise e Conclusões. No caso da análise estatística, os estudantes foram incentivados a usarem a folha de cálculo ou outra tecnologia para efetuarem essa análise, tendo-se verificado que todos os grupos recorreram à folha de cálculo.
Os dados usados no presente estudo foram obtidos através dos relatórios dos trabalhos de projeto que foram elaborados pelos estudantes, mais especificamente os dados relativos à construção e leitura e interpretação de tabelas de frequências, que é a temática do estudo. Já em termos de tratamento e análise de dados, estudaram-se as tabelas construídas pelos estudantes atendendo ao tipo de variável estatística e aos tipos de frequências contempladas, tendo em vista decidir sobre a possibilidade de determinar tais frequências. Neste tratamento estatístico recorreu-se a frequências absolutas e relativas, sintetizadas em tabelas, apresentando-se também exemplos de tabelas de frequências e da sua leitura e interpretação, tendo em vista contextualizar e clarificar melhor o trabalho realizado pelos estudantes.
A secção de apresentação dos resultados obtidos no estudo organiza-se em duas subsecções: a primeira é relativa à análise das tabelas contruídas pelos estudantes e a segunda refere-se à leitura e interpretação da informação dessas tabelas, pois esperava-se que os estudantes extraíssem conclusões e comentassem a informação resumida nessas tabelas.
Na análise de dados, realizada pelos estudantes dos vários grupos, constata-se que muitos deles usaram tabelas para resumir os dados dos seus projetos. Na Tabela 1 classificam-se as tabelas de frequências construídas pelos estudantes segundo os tipos de frequência e os tipos de variável estatística envolvida.
Tabela 1. Tabelas de frequências construídas pelos estudantes.
Variável estatística |
Frequências (em %) |
||
Tabelas com apenas frequências simples |
Tabelas com frequências acumuladas |
Total |
|
Qualitativa nominal |
13(43) |
34(49) |
47(47) |
Qualitativa ordinal |
4(13) |
10(14) |
14(14) |
Quantitativa discreta |
11(37) |
15(21) |
26(26) |
Quantitativa contínua |
2(7) |
11(16) |
13(13) |
Total |
30(100) |
70(100) |
100(100) |
Nota: Derivado da investigação.
Por observação da informação da Tabela 1 verifica-se que as tabelas envolvendo apenas frequências simples (frequências absolutas, frequências relativas e/ou frequências relativas em percentagem) são em número muito inferior (menos de metade) ao número de tabelas que envolvem, para além das frequências simples, também frequências acumuladas (absolutas e relativas).
Considerando agora o tipo de variável estatística, a que se referem os dados representados, conclui-se que quase metade das tabelas de frequências dizem respeito a variáveis qualitativas nominais, seguindo-se as variáveis quantitativas discretas com cerca de um quarto das tabelas. Entre as tabelas de frequências simples e acumuladas não se observam grandes discrepâncias nas distribuições de frequências em percentagem segundo os diferentes tipos de variável estatística, destacando-se mais as tabelas de variáveis quantitativas discretas nas tabelas de frequências simples e as tabelas de variáveis quantitativas contínuas nas tabelas de frequências acumuladas.
A possibilidade de determinar os diferentes tipos de frequências está dependente do tipo de variável estatística em estudo: as frequências simples (absolutas e relativas) podem ser determinadas para qualquer tipo de variável estatística, enquanto as frequências acumuladas (absolutas e relativas) apenas podem ser determinadas para variáveis qualitativas ordinais e quantitativas, ou seja, implica ser possível estabelecer uma relação de ordem entre os valores da variável. Ora, erradamente, como se pode verificar pela Tabela 1, cerca de metade dos estudantes (49%) determinaram frequências absolutas e/ou relativas acumuladas no caso de variáveis estatísticas qualitativas nominais, nas quais não se pode estabelecer qualquer relação de ordem. Na Figura 1 apresenta-se um exemplo de determinação de frequências acumuladas de uma variável qualitativa nominal.
Figura 1. Tabela de frequências construída pelo grupo G10.
À semelhança de outros grupos, também o grupo G10 construiu uma tabela de frequências para a variável género, em que considerou as frequências simples e acumuladas. Ora, tratando-se de uma variável qualitativa nominal, não faz sentido determinar frequências acumuladas e, adicionalmente, o grupo não se apercebeu que a consideração dos valores da variável por outra ordem (Homem, Mulher) conduzia a uma distribuição diferente das frequências acumuladas.
Verificou-se ainda em cinco tabelas, envolvendo variáveis qualitativas ordinais, que os respetivos grupos não ordenaram por ordem crescente os valores da variável estatística, dificultando-se assim a leitura e interpretação da informação da tabela, sobretudo no que respeita às frequências acumuladas. Na Figura 2 apresenta-se uma dessas cinco tabelas.
Na tabela, construída pelo grupo G7, observa-se que os valores da variável estatística estão ordenados por ordem decrescente, o que dificulta a interpretação da informação da tabela. Por exemplo, se pretendêssemos saber “Quantos alunos dão banho aos seus animais com frequência ou mais raramente?”, a ordenação crescente dos valores da variável permitiria obter de imediato a frequência absoluta (ou relativa) acumulada correspondente. Apesar disso, nesta ordenação decrescente, o leitor pode ainda obter a informação pretendida pensando de modo diferente daquele em que se tem uma ordenação crescente. A questão agrava-se quando não existe qualquer ordenação pois, nesse caso, as frequências acumuladas não são úteis para ler ou operar com a informação.
Em termos de estrutura das tabelas, além das limitações antes referidas, verificou-se que mais de metade (57%) das tabelas não tinham título. No caso das tabelas das Figuras 1 e 2, antes apresentadas, constata-se que os grupos indicaram como títulos os respetivos itens do questionário. Fernandes et al. (2019) observaram que, tal como no presente estudo, estudantes, futuros professores dos primeiros anos, também omitiram frequentemente os títulos dos gráficos, o que, como no caso das tabelas, dificulta a leitura e interpretação da informação neles representada.
Leitura e interpretação de tabelas
Uma vez construídas as tabelas de frequências, era esperado que os vários grupos fizessem a leitura e interpretação da informação dessas tabelas, como seja salientar e operar com informação, reconhecer tendências e estabelecer relações com o contexto. Na Tabela 2 estão registadas as frequências (em %) de tabelas segundo os três níveis de leitura e interpretação de Curcio (1989).
Tabela 2. Leitura e interpretação das tabelas de frequências.
Nível de leitura e interpretação |
Frequência |
Nível 1 (ler os dados) |
31(31) |
Nível 2 (ler entre os dados) |
42(42) |
Nível 3 (ler para além dos dados) |
3(3) |
Não resposta |
24(24) |
Total |
100(100) |
Nota:Derivado da investigação.
Verifica-se pela Tabela 2 que foram mais as tabelas de frequências em que se efetuaram leituras e interpretações da informação no âmbito dos níveis 1 e 2 de Curcio (1989), enquanto em muito poucas tabelas o fizeram no nível 3. Finalmente, em bastantes tabelas, quase uma em cada quatro, contrariamente ao que se esperava, não foi feito qualquer comentário sobre a informação apresentada.
No nível 1, ler os dados, foram bastantes as tabelas (31%) em que os estudantes se limitaram e repetir informação explícita na tabela de frequências, tratando-se, portanto, de uma leitura literal da informação constante da tabela, sem que tenha sido realizada qualquer interpretação dessa informação. Na Figura 3 apresenta-se a tabela de frequências construída pelo grupo G13 e, a seguir, o respetivo comentário.
Figura 3. Tabela de frequências construída pelo grupo G13.
É possível perceber através da tabela de frequências que são 10 crianças que frequentam o 4º ano de escolaridade, 9 frequentam o 1º ano, 6 frequentam o 2º ano e 5 frequentam o 3º ano. (grupo G13).
Conclui-se que o grupo no seu comentário repete as frequências absolutas que são referidas explicitamente na tabela de frequências, o que corresponde ao nível 1 de Curcio (1989).
No nível 2, ler entre os dados, na maior parte das tabelas (42%) os estudantes operaram, de alguma forma, com os dados explícitos da tabela de frequências para obter nova informação ou recorreram a esses dados para reconhecer tendências e regularidades. Na Figura 4 apresenta-se a tabela de frequências construída pelo grupo G3, seguida do seu comentário.
Figura 4. Tabela de frequências construída pelo grupo G3.
Com o intuito de mostrar a distribuição das frequências referentes às horas em que as crianças assistem televisão no seu quotidiano apresentamos os dados através de uma tabela de distribuição de frequências com uma variável qualitativa ordinal. Após a análise desta tabela de frequências, conclui-se que a maioria das crianças assistem a menos do que uma hora por dia de televisão, representando 56%. (grupo G3).
Embora o grupo em questão tenha salientado valores explícitos da tabela de frequências (menos de 1 hora e 56%), a identificação da moda como valor mais frequente requer que sejam comparadas todas as frequências, obtendo-se, assim, nova informação. Embora o grupo recorra a intervalos descontínuos para estudar o tempo diário despendido pelas crianças a ver televisão, classifica a variável em estudo de qualitativa ordinal.
Por último, no nível 3, ler além dos dados, em muito poucas tabelas (3%) os estudantes relacionaram a informação da tabela de frequências com o contexto e/ou efetuaram previsões a partir dessa informação. Na Figura 5 apresenta-se a tabela de frequências construída pelo grupo G15 e, de seguida, o seu comentário.
Figura 5. Tabela de frequências construída pelo grupo G15.
De forma a conseguirmos comparar a realidade atual com a realidade dos encarregados de educação [E.E.] dos alunos, recorremos a uma pesquisa que incide no número médio de horas que os alunos, em Portugal, passam na escola. Executamos esta pesquisa visto que os inquéritos foram realizados numa escola, razão pela qual, não nos foi possível obter uma diversidade de respostas suficiente para obtermos uma resposta conclusiva. Uma notícia do Diário de Notícias indica que as crianças “trabalham hoje para e na escola, no seu ofício de alunos, cerca de oito a nove horas diárias, ou seja, 40 a 45 horas semanais”. Deste modo, concluímos que as crianças de hoje em dia passam praticamente mais do dobro de horas na escola do que a maioria dos seus encarregados de educação. A média é 3,75, logo 4 horas e 15 minutos. A moda (Mo) é “3 horas”. (grupo G15).
No comentário do grupo G15 identifica-se um duplo propósito na análise da informação da tabela: um propósito de contextualização ao caso português; e um propósito de generalização, seguida de uma previsão. Adicionalmente, ao longo do comentário, os estudantes revelam preocupações de fiabilidade da informação utilizada. É de notar também que os estudantes do grupo em questão cometem um erro ao converterem o valor da média para horas e minutos.
No presente estudo sobre o uso de tabelas de frequências por estudantes, futuros professores dos primeiros anos, na realização de trabalhos de projeto destacam-se dois resultados: um relativo à construção de tabelas de frequências e outro envolvendo a leitura e interpretação dessas tabelas.
No caso da construção das tabelas de frequências, muitos estudantes determinaram frequências acumuladas (absolutas e relativas) para dados relativos a variáveis qualitativas nominais, ignorando que tais frequências só podem ser determinadas para dados qualitativos ordinais ou quantitativos. Especificamente, em cerca de metade das tabelas referentes a dados de variáveis qualitativas nominais, os estudantes determinaram frequências acumuladas, portanto, não tendo em conta que só faz sentido calcular esse tipo de frequências nos casos em que é possível estabelecer nos dados uma relação de ordem.
As dificuldades manifestadas por estes estudantes no contexto da realização de trabalhos de projeto foram também detetadas, de forma ainda mais generalizada, quando se tratou da resolução, por estudantes semelhantes (do mesmo curso e ano), de uma situação-problema envolvendo dados de uma variável qualitativa nominal (Fernandes et al., 2019), onde quase todos os que a resolveram determinaram frequências absolutas e/ou relativas acumuladas. A combinação destes dois resultados, obtidos em contextos distintos, significa um maior enraizamento deste tipo de dificuldades e, por conseguinte, implica um maior esforço didático para que os estudantes as superem.
Relativamente à leitura e interpretação das tabelas de frequências, observou-se que muitos estudantes não a efetuaram, concluindo a tarefa com a sua construção. Já em relação àqueles que realizaram a leitura e interpretação das tabelas, antes construídas, verificou-se que quase todos os estudantes o fizeram ao nível de ler os dados ou de ler entre os dados, enquanto quase nenhuns o fizeram ao nível de ler para além dos dados.
Assim, a leitura e interpretação das tabelas de frequências realizou-se, quase sempre, nos dois primeiros níveis de Curcio (1989), tal como aconteceu no estudo de Díaz-Levicoy, Guerrero-Contreras, Sepúlveda e Minte (2019) com futuros educadores de infância. Além disso, no presente estudo, mais estudantes realizaram a sua interpretação no segundo nível, resultado que diverge ligeiramente do que aconteceu noutros estudos. Por exemplo, no caso dos gráficos estatísticos, Fernandes e Morais (2011) constataram que os alunos do 9.º ano, envolvidos no estudo, apresentaram leituras e interpretações mais frequentes no nível 1, ler os dados, e cerca de metade daqueles apresentaram interpretações no nível 2, ler entre os dados, e no nível 3, ler para além dos dados.
Já no estudo de Fernández, García-García, Arredondo e López (2019), em que estudantes da Licenciatura em Matemática foram confrontados com a leitura e interpretação de uma tabela e de um gráfico, verificou-se que a maior parte das respostas se situaram no nível comparativo, seguido do nível integrativo, níveis esses que no nosso estudo correspondem, respetivamente, aos níveis 2 e 3 de Curcio. Neste estudo, os níveis mais elevados de interpretação da tabela e do gráfico explicam-se pelo facto destes estudantes terem uma formação matemática e estatística mais profunda em relação àqueles que participaram no presente estudo.
Segundo Friel, Curcio e Bright (2001), as maiores dificuldades dos estudantes no nível 2, em relação ao nível 1, devem-se à ausência de conhecimentos matemáticos. Contudo, no presente estudo, tais conhecimentos não eram determinantes quando os estudantes recorreram à moda para realizarem a sua interpretação, o que pode explicar a maior frequência observada no nível 2. Por outro lado, o facto de os estudantes construírem as tabelas de frequências que seguidamente liam e interpretavam pode também ter sido um fator positivo no seu desempenho pois, como Diniz e Fernandes (2016) referem, no caso dos gráficos estatísticos, a interação entre a construção e a leitura e interpretação revelou-se uma abordagem favorável, que levou alunos brasileiros do ensino médio a corrigir falhas e erros.
Em conclusão, o estudo realizado mostra que a tabela de frequências não é um objeto simples, que os estudantes aprendem facilmente, confirmando-se a perspetiva de Pallauta, Gea e Batanero (2020) quando demonstram, através de uma análise semiótica de livros didáticos chilenos, que a tabela é um objeto complexo, pois a sua construção e compreensão envolve uma grande variedade de objetos matemáticos. No presente estudo tal complexidade concretiza-se, sobretudo, nas dificuldades vivenciadas pelos futuros professores aquando da seleção dos métodos estatísticos a usarem.
Consequentemente, privilegiar um trabalho mais autónomo dos estudantes, como se espera que aconteça nos trabalhos de projeto, requerer que eles próprios selecionem os tipos de frequências, os gráficos e as medidas estatísticas que são adequados para a análise de dados que devem efetuar. Contudo, nas aulas de Estatística, frequentemente, é ignorada essa importante fase de um estudo estatístico, sendo os estudantes confrontados com tarefas fechadas, em que apenas têm de aplicar os métodos estatísticos mencionados. Ora, ignorar essa fase de um estudo estatístico explica as dificuldades sentidas pelos estudantes em decidir quais os métodos a usar na análise estatística de tarefas mais abertas, como é o caso dos trabalhos de projeto (Fernandes et al. 2019).
Este trabalho é financiado pelo CIEd - Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho, projetos UIDB/01661/2020 e UIDP/01661/2020, através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT e do projeto UID/Multi/04016/2016 e Interdisciplinary Studies Research Center (ISRC), Institute of Engineering of Porto – Polytechnic of Porto (ISEP/IPP).
DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
J.A.F. foi mais responsável pela planificação do estudo e organização do artigo, enquanto G.G. e P.M.B. assumiram um papel mais proeminente no âmbito do desenvolvimento do artigo. Globalmente, todos os autores tiveram uma participação semelhante na produção do artigo.
DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DOS DADOS
Os dados subjacentes aos resultados deste estudo serão disponibilizados pelo autor J.A.F., responsável pela correspondência do artigo, mediante solicitação razoável de um leitor, cabendo aos autores determinar se a solicitação é razoável ou não.
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Díaz-Levicoy, D., Guerrero-Contreras, O., Sepúlveda, A., & Minte, A. (2019). Comprensión de tablas estadísticas por futuras maestras de educación infantil. Revista Educação, 14(1), 16-24. https://doi.org/10.33947/1980-6269-v14n1-3742
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Uso de tabelas de frequências por futuros professores na realização de trabalhos de projeto (José António Fernandes • Gabriela Gonçalves • Paula Maria Barros). Uniciencia is protected by Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported (CC BY-NC-ND 3.0)
1José António Fernandes, jfernandes@ie.uminho.pt, http://orcid.org/0000-0003-2015-160X
Gabriela Gonçalves, gmc@isep.ipp.pt, https://orcid.org/0000-0002-3584-5498
Paula Maria Barros, pbarros@ipb.pt, http://orcid.org/0000-0002-6297-0868
Departamento de Estudos Integrados de Literacia, Didática e Supervisão, Universidade do Minho, Braga, Portugal
2 Departamento de Matemática, Instituto Politécnico do Porto, Porto, Portugal
3 Departamento de Matemática da ESTiG, Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal
Uso de tabelas de frequências por futuros professores na realização de trabalhos de projeto (José António Fernandes • Gabriela Gonçalves • Paula Maria Barros). in Uniciencia is protected by Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported (CC BY-NC-ND 3.0)
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