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Número 66(1) • Enero-junio 2021
ISSN: 1011-484X • e-ISSN 2215-2563
Doi: https://dx.doi.org/10.15359/rgac.66-1.16
Recibido: 21/4/2020 • Aceptado: 6/6/2020
URL: www.revistas.una.ac.cr/index.php/geografica/
Licencia (CC BY-NC-SA 4.0)

A (in) sustentabilidade dos megaeventos: regulação, autorregulação e injustiça ambiental da reciclagem de resíduos nas grandes festas brasileiras

La (in) sostenibilidad de los megaeventos: regulación, autorregulación e injusticia ambiental del reciclaje de residuos en las principales fiestas brasileñas

The (in) sustainability of mega-events: regulation, self-regulation and environmental injustice of waste recycling at major Brazilian parties

Dumara Regina de Lima1

Universidade de São Paulo, Brasil

André Felipe Simões2

Universidade de São Paulo, Brasil

Sonia Seger Pereira Mercedes3

Universidade Federal de Minas, Brasil

Ramatis Jacino4

Universidade Federal do ABC, Brasil

Resumo

Observadas pela perspectiva da sustentabilidade, as festas populares no Brasil envolvem a geração e o gerenciamento de resíduos em grande quantidade e volume e o trabalho precário, informal e insalubre de catadores de materiais recicláveis em situação de alta vulnerabilidade social, reproduzindo situações de degradação ambiental e injustiça social no espaço público e simbólico. Partindo-se dessa problemática, o presente trabalho discute os conflitos socioambientais da geração e do gerenciamento de resíduos nas grandes festas brasileiras após o ciclo dos megaeventos mundiais sediados no país (Jogos Pan-Americanos 2007/Jogos Olímpicos 2016), quando emerge o marco regulatório dos resíduos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em 2010, e a ISO 20121, norma internacional que apresenta os requisitos para um sistema de gestão para sustentabilidade de eventos, em 2012, a primeira indicando novos parâmetros para a gestão de resíduos sólidos no geral, e a segunda para resíduos de eventos em particular. Assim, por meio de pesquisa documental, bibliográfica e observação participante em três festas populares de grande porte no período de 2016 a 2019 (Carnaval de rua do Rio de Janeiro e de São Paulo e o Círio de Nossa Senhora de Nazaré de Belém), o trabalho, de caráter exploratório, apresenta um panorama do setor de eventos no Brasil e a problemática da sustentabilidade; o contexto da publicação da ISO 20121 e as especificações referentes aos atores e aos resíduos à luz da geração e do gerenciamento dos resíduos nas grandes festas e da PNRS, e por fim, à guisa de conclusão, discorre-se a respeito dos desafios associáveis à sustentabilidade dos megaeventos na interface da regulação, da autorregulação e da justiça ambiental.

Palavras-chave: resíduos sólidos urbanos; catadores de materiais recicláveis; ISO 20121; megaeventos; injustiça ambiental

Abstract

Observed from the perspective of sustainability, popular festivals in Brazil involve the generation and management of waste in large quantity and volume and the precarious, informal and unhealthy work of recyclable material collectors in situations of high social vulnerability, becoming a mechanism for reproduction of environmental degradation and social injustice in the public and symbolic space. Starting from this multifaceted problem, the present manuscript discusses the socio-environmental conflicts of generation and waste management in large Brazilian parties after the cycle of world mega-events based in the country (Pan American Games 2007 / Olympic Games 2016), when the waste regulatory framework emerges, the National Solid Waste Policy (PNRS), in 2010, and ISO 20121, an international standard which presents the requirements for a management system focused in the sustainability of events, in 2012, the first indicating new parameters for solid waste management in general, and the second one for event waste in particular. Thus, through documentary, bibliographic research and participant observation in three large popular festivals in the period from 2016 to 2019 (Rio de Janeiro and São Paulo street Carnival, and the Círio de Nossa Senhora de Nazaré de Belém, in the state of Pará), the present exploratory research, presents an overview of the events sector in Brazil and the sustainability issue; the context of the publication of ISO 20121 and the specifications referring to the actors and waste in the scope of the generation and management of waste at mega-events and the PNRS, and finally, as conclusion, we discuss the challenges associated with the sustainability of mega-events in the interface of regulation, self-regulation and environmental justice.

Keywords: solid urban waste; waste pickers; ISO 20121; mega events; environmental injustice

Resumen

Observados desde la perspectiva de la sustentabilidad, las fiestas populares brasileñas involucran la generación y manejo de residuos en grandes cantidades y volúmenes y el trabajo precario, informal e insalubre de los recolectores de materiales reciclables en situaciones de alta vulnerabilidad social, reproduciendo situaciones de degradación e injusticia ambiental. social en el espacio público y simbólico. Con base en este problema, este trabajo discute los conflictos socioambientales de generación y manejo de residuos en los principales partidos brasileños luego del ciclo de mega eventos mundiales con sede en el país (Juegos Panamericanos 2007 / Juegos Olímpicos 2016), cuando surge el marco regulatorio de residuos, la Política Nacional de Residuos Sólidos (PNRS), en 2010, y la norma internacional ISO 20121, que presenta los requisitos para un sistema de gestión para la sostenibilidad de eventos, en 2012, la primera que indica nuevos parámetros para la gestión de residuos sólido en general, y el segundo para residuos de eventos en particular. Así, a través de la investigación documental, bibliográfica y la observación participante en tres grandes fiestas populares en el período de 2016 a 2019 (Carnaval callejero de Río de Janeiro y São Paulo y el Círio de Nossa Senhora de Nazaré de Belém,
en el estado de Pará), el presente trabajo exploratorio explícito una visión general del sector de eventos en Brasil y el tema de la sostenibilidad; el contexto de la publicación de la ISO 20121 y las especificaciones referentes a los actores y residuos a la luz de la generación y gestión de residuos en grandes partidos y el PNRS, y finalmente, a modo de conclusión, se discuten los desafíos de la sostenibilidad megaeventos en la interfaz de la regulación, la autorregulación y la justicia ambiental.

Palabras clave: residuos urbanos sólidos; recicladores; ISO 20121; mega eventos; injusticia ambiental

Introdução

A partir da década de 1980, com a guinada da economia mundial para o terciário avançado, a magnitude do setor de turismo levou ao reconhecimento dos eventos, em suas várias manifestações - do entretenimento aos negócios -, como um segmento turístico específico. Dado seu expressivo crescimento nas últimas décadas - o número de eventos internacionais tem apresentado crescimento médio de 10% ao ano, mesmo em períodos de recessão econômica (ICCA, 2013, p. 12), o setor se apresenta como força motriz para o crescimento econômico de muitos destinos, cidades e países.

Transformando-se em política de desenvolvimento urbano e capazes de remodelar as cidades, como os megaeventos, o incremento de festas, festivais e festividades é também analisado na literatura como festivalização “an over-commodification of festivals exploited by tourism and place marketers” (Getz, 2010, p.5).

Tendo em conta que a qualificação de um destino “apropriado” para eventos depende de infraestrutura urbana, bem como de políticas governamentais de incentivo (Hall, 2006, p. 59; OMT, 2014, p.11) o setor de eventos se apresenta também como campo de parceria público-privada. Inseridos em um contexto industrial, de um setor que “no obedecen a la demanda del mercado(OMT, 2014, p.55), e no qual “a oferta tem primazia sobre a demanda” (Paiva, 2015, p.486), o turismo de eventos tem sido progressivamente induzido à incorporação da sustentabilidade como estratégia comercial, negocial e operacional. Este fato implica em necessidade de métricas e procedimentos claros, tanto para seu planejamento como para sua comunicação.

É nesse contexto amplo e complexo que se encaixa a gestão dos resíduos em eventos, como um dos fatores de sua sustentabilidade. Vinculado a materiais gerados em tempo-espaço específicos e, potencialmente, em grande quantidade e volume, o gerenciamento dos resíduos de eventos no Brasil ainda carece de formulações teórico-analíticas e de definições legal-institucionais que regulem a prática cotidiana, tornando sensível a omissão dos eventos na Política Nacional de Resíduos Sólidos, a PNRS (Brasil, 2010) - exigência legal de nível nacional e abrangência generalizada.

Questões como enquadramento técnico e ambiental (classificação, riscos, limites), governo (política urbana, sanitária, ambiental, econômica, trabalhista) e tecnologia não aportam nem encontram respaldo suficiente, de forma a garantir a gestão integrada e o gerenciamento ambientalmente adequado de tais descartes, como preconizado pela PNRS.

A mesma Política, no entanto, atribui aos planos municipais a tarefa de determinação da tipologia dos resíduos e, também, dos geradores sujeitos a planos de gerenciamento específico, de modo que as políticas para resíduos de eventos devem assumir dimensão local, em que pese a abrangência regional, nacional, internacional ou mundial do evento.

Assim, considerando que “os Estados e as normatizações internacionais acordadas em sua órbita de atuação constituem peças cruciais para determinar direitos de propriedade sobre os recursos e os sumidouros ambientais” (Martinez-Alier, 2017, p. 266), e a ausência de normatização para resíduos de eventos no âmbito nacional, o presente trabalho analisa a inserção da temática dos resíduos a NBR ISO 20121(ABNT, 2012), norma internacional que apresenta os requisitos de um sistema de gestão para sustentabilidade de eventos, à luz de três festas populares brasileiras realizadas no espaço público: O Círio de Nossa Senhora de Nazaré de Belém e o Carnaval de rua do Rio de Janeiro e de São Paulo, no período de 2016 a 2019, pós-ciclo dos megaeventos mundiais realizados no país (Jogos Pan-Americanos 2007/Jogos Olímpicos 2016).

A Festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré de Belém é realizada na região Norte do país, de menor densidade populacional. É também denominada na literatura especializada como Carnaval Devoto (Alves, 1980, p. 25; Lopes, 2014, p. 99), dados os elementos sagrados e profanos da sua composição.

Considerada uma das maiores festas católicas do mundo, é realizada desde 1793 e incluída na “Lista Representativa do Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco, em dezembro de 2013, durante a 8a. seção do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial” (IPHAN, 2014), tombada no mesmo ano da Marcha Mundial da Juventude, realizada no Rio de Janeiro.

O Carnaval de rua do Rio de Janeiro e de São Paulo é realizado na região Sudeste, de maior densidade populacional, apresentando rápido e intenso crescimento no período recente, com sua regulamentação pelo poder público a partir de 2009 no Rio (Machado, 2017, p. 111) e de 2014 em São Paulo (São Paulo, 2014).

Destaca-se que o “renascimento” do Carnaval de rua no eixo Rio-São Paulo se dá após o confinamento da festa com a construção dos “sambódromos”, grandes equipamentos próprios para sua realização projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer, inaugurado no Rio em 1984 e em São Paulo em 1991 e que acabaram por esvaziar a festa de rua, que retorna no período atual.

Tanto o tombamento do Círio de Nazaré de Belém como a regulamentação do Carnaval de rua no eixo Rio-São Paulo se dão no período de realização do ciclo dos megaeventos mundiais.

Destaca-se ainda que o Carnaval e o Círio de Nossa Senhora de Nazaré são festas realizadas em diversas cidades brasileiras assumindo feições e porte distintos. As três festas analisadas são de longa duração, realizadas anualmente em um período oficial de três semanas e nas áreas centrais de metrópoles de influência regional (Belém) e global (Rio de Janeiro e São Paulo).

Para efeito ilustrativo, a expectativa de público Círio de Belém gira em torno de 2 milhões de pessoas (Serra & Tavares, 2016, p. 145), do Carnaval de rua de São Paulo, 4 milhões (São Paulo, 2018) e do Rio de Janeiro, incluindo-se os desfiles do sambódromo, 6 milhões (Rio de Janeiro, 2018).

O estudo, de caráter exploratório, ampara-se nos referenciais da ecologia política, campo de estudo dos conflitos socioambientais, que analisa as relações entre as desigualdades de poder e a degradação ambiental (Martinez-Alier, 2017, p. 356).

Para o levantamento de dados e informações, foram utilizadas pesquisa documental, bibliográfica e observação participante, analisadas por meio de abordagem contextual e com foco nas relações (Little, 2006, p. 91).

Divido em três partes, o trabalho apresenta um panorama do setor de eventos no Brasil e a problemática da sustentabilidade; o contexto da publicação da ISO 20121 e as especificações referentes aos atores e aos resíduos à luz da geração e do gerenciamento dos resíduos nas grandes festas e da PNRS, e por fim, à guisa de conclusão, discorre-se a respeito dos desafios da sustentabilidade dos megaeventos na interface da regulação, da autorregulação e da justiça ambiental.

O setor de eventos no Brasil, os megaeventos e a questão da sustentabilidade

Palco de megaeventos mundiais na última década, como os Jogos Pan-Americanos (2007), os Jogos Mundiais Militares (2011), a Rio+20 (2012), a Jornada Mundial da Juventude (2013), a Copa do Mundo Masculina da Federação Internacional de Futebol - FIFA (2014) e os Jogos Olímpicos (2016), o Brasil figura, atualmente, na 11ª posição no ranking de países receptores de eventos internacionais – o 1º na América Latina (ICCA, 2016, p. 14), indicando uma política de festivalização em escala nacional. Em 2013, o setor respondeu por 4,3% do PIB do país, envolvendo a realização de 590 mil eventos, 4,4% de âmbito internacional (ABEOC, 2013, p. 6).

Como política de desenvolvimento urbano e city marketing, a festivalização se insere no ideário do planejamento estratégico urbano, que chega ao Brasil e América Latina na década de 1990, a partir das experiências de requalificação urbana nos Estados Unidos e Europa, entre as décadas de 1970 e 1980, em um contexto de desindustrialização e terceirização crescentes (Arantes, 2002, p. 31).

Sua inserção se dá por meio de agências multilaterais como BIRD, Habitat (das Nações Unidas), PNUD e Banco Mundial, bem como pelo intermédio de consultores internacionais, “sobretudo, catalães, cujo agressivo marketing aciona de maneira sistemática o sucesso de Barcelona (Vainer, 2002, p. 75).

Barcelona, com a visibilidade dos Jogos Olímpicos de 1992, “tornaria os grandes eventos mais um ingrediente indispensável da nova fórmula” (Arantes, 2002, p.58) e se transformaria em referência do planejamento estratégico urbano quando “o planejamento deixou de controlar o crescimento urbano e passou a encorajá-lo por todos os meios possíveis e imagináveis” (Arantes, 2002, p. 20), fazendo das cidades motores do crescimento econômico (Castells & Borja,1996, p. 153; Arantes, 2002, p. 29).

É desse modo que os megaeventos “can be regarded as one of the hallmarks of modernity and havelong managed to integrate industrial and corporate interests with those of government with respect to urban development and imaging(Hall, 2006, p. 59).

Sua extensão para os países periféricos, no que Steinbrink (2013, p. 131) chama de festifavelização, a globalização da festivalização, ancorada na ideia de que a aptidão para sediar um megaevento mundial é capaz de superar o estigma do subdesenvolvimento e tornar a cidade “competitiva”, é também, para Horne (2010, p.1558) a form of economic recolonization took place”.

É neste contexto que se dá a valorização dos bens culturais, “condição paradoxal do processo de globalização que navega entre a tendência à homogeneização das sociedades (...) e a busca de preservação das identidades locais” (Vargas, 1998, p.8), com o recrudescimento da importância das manifestações socioculturais e, entre elas, as festas populares, ganhando contornos de megaevento.

No Brasil, em 2013, dos espaços destinados a eventos, excetuando-se o espaço público, os eventos socioculturais apresentaram a maior frequência de ocupação, sendo as maiores despesas com espaço (23%) e infraestrutura e equipamentos (18%) e as menores com palestrantes/artistas (5%) e marketing e promoção (6%) (ABEOC, 2013, p. 25).

Também realizadas no espaço público, em que as despesas com espaço e infraestrutura incidem sobre os serviços públicos, muitas festas populares se apresentam como vetores de crescimento econômico das cidades, com forte presença de poderes públicos e privados na sua organização.

No entanto, seja nos espaços específicos destinados a elas, como sambódromos, ou no espaço público, o “agigantamento” das festas populares as tornam grandes geradoras de resíduos nas cidades.

Tais resíduos, de grande massa e volume, comprometem a qualidade ambiental dos festejos e abrigam um grande número de catadores de materiais recicláveis, no qual se destaca a coleta seletiva de embalagens descartáveis e recicláveis de alumínio para bebidas, as populares “latinhas”, também denominadas aluminium UBC (Used Beverage Can). Os “catadores de latinha” (Figura 1) realizam a coleta exclusiva de alumínio UBC de modo informal, precário e sem proteção - física e social.

Figura 1. Catadores de latinha informais

A. Catadora de lata de alumínio sem equipamento de proteção nas mãos e nos pés - Círio de Belém 2016 B. Catador de lata de alumínio sem equipamento de proteção nas mãos e nos pés reutilizando sacos plásticos de gelo (utilizado para a refrigeração de bebidas) para a coleta seletiva - Carnaval de Rua do Rio de Janeiro 2017 C. Catador de lata de alumínio sem equipamento de proteção nas mãos e nos pés - Carnaval de Rua de São Paulo 2018.

Fonte: autores.

As grandes festas destacam aspectos socioambientais relacionados aos resíduos que não podem ser negligenciados, e que colocam em questão a limpeza urbana e o manejo dos resíduos sólidos adequados à saúde pública e à proteção do meio ambiente. Colocam também em questão os princípios do poluidor-pagador, por meio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, e do protetor-recebedor, com o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania, previstos na PNRS.

Evidenciam a necessidade da gestão integrada de resíduos, como definida no marco regulatório nacional: conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável (Brasil, 2010).

A sustentabilidade dos eventos, sob a necessidade de um novo paradigma, na discussão de Dredge e Witford (2010) com Getz (2009), destaca questões como a produção do conhecimento, na necessidade de articulação entre os estudos sociopolíticos e normativos; a relação entre os atores, as diferentes agendas, valores e interesses e seus diferentes níveis de envolvimento; a regulação, a autorregulação e a disposição, tanto do Estado (na política de evento) como do mercado (na política do evento), para incorporar os princípios da sustentabilidade e a capacidade dos governos de institucionalizarem um paradigma sustentável e responsável para eventos. Dredge e Witford (2010) mostram que não é possível discutir a sustentabilidade de eventos sem discutir o próprio evento, seus objetivos e motivações.

A emergência da NBR ISO 20121 e os conflitos socioambientais da reciclagem de resíduos no ambiente festivo

De adesão voluntária, a NBR ISO 20121 especifica os requisitos de um sistema de gestão para sustentabilidade de eventos de qualquer tipo e tamanho, ou atividade relacionadas à eventos; fornece também orientações sobre sua conformidade, por autodeclaração ou por auditoria, incrementando o mercado de certificação.

Gestada a partir da BS 8901 (Hall, 2012, p. 121), norma do Reino Unido criada para os Jogos Olímpicos de Londres de 2012, a NBR ISO 20121 é idêntica em conteúdo e forma à ISO 20121, ambas publicadas no mesmo ano de realização dos Jogos de Londres.

Estabelece um padrão internacional de gestão para a sustentabilidade de eventos, tendo como paradigma o megaevento olímpico, no qual a busca de melhorias deve considerar o ciclo de vida da gestão do evento, “desde a pesquisa, concepção e planejamento, até as atividades de implementação, análise crítica e pós-evento” (ABNT, 2012, p. 3).

Desenvolvida com o apoio do COI e do Comitê dos Jogos de Londres e com a participação direta de 25 países, além de 10 observadores e diversas associações, tendo o Brasil na secretaria geral, a ISO 20121, para Flores, “dita os processos de gestão para eventos sustentáveis, inaugurando a possibilidade de certificação de processos para empresas organizadoras de megaeventos (...) demonstra a força econômica do setor de eventos e seus impactos nas economias locais” (ABNT, 2012, p. 3).

Como representante do esporte na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92 , o Comitê Olímpico Internacional (COI), embora tenha assumido compromisso com o desenvolvimento sustentável, quando “contempla a Convenção no discurso e, na prática, realiza uma série de ações incrementais e pontuais que produzem uma aderência parcial à Convenção” (Flores, 2014, p. 51) é somente duas décadas depois, com os Jogos Olímpicos de Londres de 2012, que é estabelecido um sistema de gestão para a sustentabilidade de eventos.

É neste contexto, de legado olímpico, e até como legado olímpico, que se insere a Norma ISO 20121 que se junta a dois outros documentos produzidos anteriormente: o OGI (Olympic Games Impact, conjunto de 126 indicadores de monitoramento que envolve a cobertura de 12 anos: pré-jogos, jogos e pós-jogos) e o GRI EOSS (Event Organizers Sector Supplement, um suplemento do GRI G3.1), os quais preveem instruções para comunicação da sustentabilidade, destarte:

A Norma ISO 20121 e o EOSS do GRI são complementares. A Norma estabelece os processos do sistema de gestão, a organização, as áreas e as metas de melhoria em seu escopo de sustentabilidade, enquanto o EOSS dá transparência à comunicação dessas metas (Flores, 2014, p.73).

Definido na NBR ISO 20121 como “encontro planejado em relação a um período de tempo e um local onde uma experiência é criada e/ou uma mensagem é transmitida” (ABNT, 2012, p. 3) os eventos podem envolver longos períodos de planejamento bem como uma miríade de atores sociais. Nas suas 44 definições, a norma apresenta 10 referentes aos sujeitos: organização, organizador do evento (que produz e/ou gerencia todos ou alguns aspectos de um evento), parte interessada, audiência, proprietário do evento, usuário final, participante, fornecedor, alta direção e cadeia produtiva.

Prevista como primeira etapa do planejamento, a identificação das partes interessadas deve considerar quem é afetado ou envolvido nas atividades do evento, e seu engajamento dever ser realizado para “melhorar o entendimento dos impactos econômicos, sociais e ambientais da atividade do evento” (ABNT, 2012, p. 22), impactos diretos como indiretos, considerando o estágio completo do ciclo de vida do evento.

A partir dos objetivos de sustentabilidade definidos pela organização, esta deve “estabelecer, implementar e manter um procedimento para identificação e engajamento com as partes interessadas sobre as questões identificadas e emergentes do desenvolvimento sustentável, relativas ao seu papel na cadeia de valor dos eventos” (ABNT, 2012, p.8)

Nesses termos, as empresas que exibem suas marcas e/ou comercializam seus produtos assumem importância tanto na cadeia de valor do evento como na identificação e engajamento das partes interessadas.

Podendo envolver organizações com capacidades distintas de liderança, planejamento, suporte e comunicação, um maior detalhamento dos sujeitos, pode ser observado no anexo A da norma, referente à orientação sobre o planejamento e implementação, em que se apresenta exemplos de grupos genéricos de partes interessadas (Quadro 1).

Quadro 1. Exemplos de grupos genéricos de partes interessadas

partes interessadas

Exemplos

Organizadores

Gerente do evento, sócios

Proprietários

Encarregados, patrocinadores, provedores de fundos e investidores

Força de trabalho

Empregados, sindicatos, funcionários e voluntários

Cadeia produtiva

Local do evento, fornecedores de produtos e serviços (incluindo os patrocinadores); esta categoria pode também incluir serviços de emergência, bombeiros, ambulâncias, etc.

Participantes

Locutores, artistas, atletas, expositores, concorrentes, etc.; esta categoria pode incluir usuários finais

Assistentes

Clientes, público, fãs, espectadores, visitantes, representantes (também incluídos os usuários finais)

Órgãos reguladores

Autoridades locais/municipais e autoridades de licenciamento, polícia; essa categoria pode incluir o governo central e consultores estatutários

Comunidade

Comunidade local e de vizinhança, incluindo a sociedade civil, povos indígenas e minorias, ONGs, meios de comunicação, manifestantes, organizações interessadas do setor (organismos e associações de indústria) e redes, associações de consumidores e/ou ambientalistas ou representantes de pessoas com incapacidades. Ao considerar as preocupações das diferentes partes interessadas, convém que as necessidades das pessoas com incapacidades sejam levadas em consideração.

Fonte: ABNT, 2012 (organização própria)

Por esses grupos pode-se observar que uma organização pode assumir mais de uma função no evento (proprietário-fornecedor, meio de comunicação-patrocinador), que patrocinadores e investidores podem ser proprietários do evento, e que os meios de comunicação se inserem no diversificado e assimétrico grupo da comunidade.

No entanto, em que pese ser apenas um exemplo, a comunicação assume um papel estrutural na própria definição de evento “onde uma experiência é criada e/ou uma mensagem é transmitida” (ABNT, 2012, p. 3), passando também a categorizar o porte e abrangência5 do evento pelos parâmetros de repercussão e visibilidade. Tomando as definições de megaevento e de evento de grande porte da NBR 16004, pode-se ler:

Megaevento: evento que gera grande impacto econômico, ambiental e social, com alto grau de complexidade de organização, envolvendo poderes públicos e privados e, normalmente, de visibilidade e repercussão mundiais, envolvendo um número expressivo de pessoas (público e profissionais envolvidos com a realização) e gerando grande interesse do público.

Evento de grande porte: evento que gera grande impacto econômico, ambiental e social, com alto grau de complexidade de organização, com visibilidade e repercussão nacional ou internacional, com a participação de um número significativo de pessoas (público e profissionais envolvidos com a realização) (ABNT, 2016, p. 9).

Nota-se que a diferença entre megaevento e evento de grande porte se refere à visibilidade e repercussão, considerando que ambos podem envolver poderes públicos e privados, especialmente, por meio de patrocínio. No caso brasileiro, o patrocínio de bens culturais é fomentado pela Lei Rouanet, política cultural também forjada no contexto do neoliberalismo na década de 1990, com a criação de isenções fiscais para empresas que investem em cultura6.

Além do patrocínio de grandes empresas, como bancos, mineradoras, cervejarias e emissoras de TV, as grandes festas brasileiras contam com ampla cobertura de mídia, algumas das quais transmitidas ao vivo na íntegra ou em flashes, seja em escala local, regional, nacional ou internacional7.

A mídia e os meios de comunicação, assim como os patrocinadores, se apresentam como partes interessadas e estruturantes de eventos de grande porte e megaeventos. Em dados de 2012, as receitas do COI são compostas de 47% de direitos de transmissão, 45% de patrocínio, 3% de licenciamento e 5% de bilheteria (Flores, 2014, p. 38).

No Brasil, como um tipo de ecologismo dos pobres (Martínez-Alier, 2017, p. 37), que nem sempre se reconhece como tal e motivado pela sobrevivência, os catadores de latinha também se inserem como força de trabalho de eventos de grande porte, cujo impacto positivo da coleta seletiva da “latinha” é a própria limpeza do evento, gerando externalidades positivas para seus participantes e para a própria organização do evento.

Especialmente nos países periféricos, em que a coleta seletiva não conta com a adesão maciça da população e se restringe a materiais com valor de mercado, realizada por trabalhadores informais não raro em situação de vulnerabilidade8 que “embora essenciais para a manutenção da cadeia produtiva da reciclagem, são mantidos em posição de inferioridade devido as condições laborais da atividade da coleta e separação dos materiais recicláveis” (Figueiredo, 2012, p. 9).

Além dos eventos, a norma é destinada à empresas organizadoras de eventos e, talvez por esse motivo, “a maior parte das empresas faz separação de resíduos dentro da empresa, mas nem sempre conseguem aplicar este cuidado na realização de seus eventos (depende do local e de quem contrata o serviço)” (Ranzan et al., 2016, s.n.).

Isto aponta as dificuldades para a extensão de sistemas de sustentabilidade para a cadeia produtiva, que conforme a norma:

O sucesso desse sistema depende do comprometimento de todos os níveis e funções, especialmente, da alta direção. Além disso, para que um determinado sistema de gestão seja bem-sucedido, ele precisa ser flexível e integrado dentro do processo de gestão de eventos e não apenas considerado um componente a ser adicionado. Para maior eficácia, a sua influência precisa-se estender por toda a cadeia produtiva, bem como pelas partes interessadas. (ABNT, 2012, p. vii)

Não parece haver conflitos e contradições na NBR ISO 20121. No caso da população vulnerável, a recomendação de que “Ao considerar as preocupações das diferentes partes interessadas, convém que as necessidades das pessoas com incapacidades sejam levadas em consideração” (ABNT, 2012, p.23), não parece capaz de respondê-los, mesmo com o destaque na norma de que “muitas partes interessadas podem não ser organizadas de forma geral e por esta razão podem ser omitidas e ignoradas” (ABNT, 2012, p.23).

O processo de gentrificação causado por megaeventos, tanto nos países centrais, (Arantes, 2002, p. 54) como periféricos, com a remoção em massa de slums9, no Brasil, denominadas favela10, aponta essas limitações.

Ao acompanhar no Rio de Janeiro a fase preparatória do mundial da FIFA (2014) e dos Jogos Olimpícos (2016) Steinbrink (2013, p. 134) chega à conclusão que além da aplicação de práticas usuais de invisibilidade das slums nos países periféricos - a demolição e a evitação11 -, o exemplo do Rio acrescenta uma terceira estratégia: o reconhecimento da favela por sua ressignificação.

Nessa estratégia, incluiu três fases: a preparação, com a segurança pública, com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP); a remodelação, com os teleféricos e o embelezamento das fachadas visíveis, como painéis assinados por artistas internacionais e alguma infraestrutura; e, por fim, a encenação, que vai de souvenirs ao turismo de favela.

Nesse conjunto de ações, opera-se a inversão da imagem da favela - ao menos para o olhar de turistas e telespectadores -, passando da imagem associada à pobreza e violência para a imagem alegre e vibrante, que mesmo caótica, “draw on notions of an exotic way of life(Steinbrink, 2013, p. 139).

Para o autor, ao dar visibilidade para algumas favelas, se dá a invisibilização das demais e das próprias ações de invisibilização. Tais ações provocam um tipo de invisibilização invertida – invisibilidade por superexposição, processo também observado junto aos catadores de latinha, tão visíveis nas festas e nos meios de comunicação como invisíveis nas políticas públicas.

Quanto aos resíduos, embora não sejam tratados no texto principal da norma, perpassam todos os seus anexos. No anexo A, de orientação sobre o planejamento e implementação da norma se inserem na lista que estabelece o que convém que seja incluído na política de desenvolvimento sustentável, como “um compromisso de atender a todos os regulamentos legais que se aplicam ao evento e/ou à organização” (ABNT, 2012, p.27), em que são citados como exemplo: resíduos, ruído, saúde, segurança e legislação para pessoas com incapacidades e não discriminação.

A referência aos regulamentos legais e em especial, aos resíduos, aparece novamente na NBR 16513 (ABNT, 2016b, p. 3) que define as competências dos profissionais que exercem a função de organizador de eventos. Nesta norma já há referência explícita à PNRS, no entanto, é sentida sua ausência na lista de exemplos da recente NBR 16698 (ABNT, 2018), norma complementar da NBR ISO 20121.

Os resíduos também são citados como exemplo de tecnologia nova ou inovadora (compostagem local de resíduos de alimentos), de indicador de desempenho (a quantidade de resíduos) e, quando apropriado e aplicável, como exemplo de metas que necessitam de instrumentação para o monitoramento (pesando a quantidade de resíduos gerados) (ABNT, 2012, p. 30, 38 ).

Certamente, um sistema de pesagem, monitoramento, valoração, responsabilização e comunicação dos resíduos sólidos urbanos gerados nos megaeventos, poderia promover o comércio justo no mercado de recicláveis, contribuindo para o fortalecimento dos catadores, da PNRS e da própria política ambiental, porém, seria apropriado e aplicável? E quais organizações teriam os objetivos, as condições e os propósitos voluntários em fazê-lo?

No Brasil, mesmo após a passagem dos megaeventos mundiais, as grandes festas realizadas no espaço público (e também no entorno de espaços próprios como arenas) ainda apresentam lixeiras insuficientes para o público dispor os resíduos (Figura 2), acondicionado em sua maior parte no chão e nas sarjetas (Figura 1 e 2).

Figura 2. Lixeiras saturadas

A. Círio de Belém 2016 B. Carnaval de rua do Rio de Janeiro 2019 C. Carnaval de rua de São Paulo 2018. Fonte: autores.

Transbordando as lixeiras, em meio a grande massa e volume de resíduos, destacam-se as embalagens descartáveis de bebidas: de alumínio, plásticos diversos e o vidro, em que pese sua proibição. Já no anexo B, dedicado à gestão da cadeia produtiva, a aquisição se apresenta como elemento central, “área-chave no qual o desempenho para a sustentabilidade pode ser melhorado” (ABNT, 2012, p. 40), e no qual os resíduos surgem já nas generalidades:

As práticas de aquisição sustentável podem resultar em desempenho ambiental melhorado, (menor eliminação de resíduos e menores custos de treinamento, menos taxas de licenciamento ambiental e, frequentemente, redução de custos dos materiais), aumento da consciência social (preocupações com o trabalho infantil, emprego das pessoas com deficiência, fornecimento local) e retornos econômicos (comércio justo) (ABNT, 2012, p.40).

Nota-se que os resíduos se inserem no desempenho ambiental, fortemente relacionado à redução de custos com redução da geração. Nesse modelo, as práticas de aquisição sustentável devem ser capazes, ao mesmo tempo, de reduzir custos, aumentar a consciência social e os retornos econômicos, destacando o comércio justo.

Além das generalidades, os resíduos se inserem também como exemplo em dois objetivos-chave no processo de aquisição sustentável: minimizar os impactos negativos de produtos e/ou serviços (geração de resíduos perigos) e minimizar a demanda por recursos (produtos que incorporam conteúdo reciclado).

Observa-se aqui a valorização de produtos recicláveis como exemplo de redução da demanda por recursos naturais. Este é o caso do alumínio UBC, que faz do Brasil campeão mundial de reciclagem de “latinha” desde 2001(ABAL, 2015), que no entanto, não garante a redução de impactos negativos do produto e da demanda por recursos naturais.

Embora a reciclagem do alumínio seja essencial para a própria produção das “latinhas”, tendo em vista o alto valor do alumínio primário, em que “the aluminium companies recognized early on that they had to reduce cost [...] no way could they make a can out primary aluminium and compete with steel cans based on cost” (Steudeville, 1993, p.74), no caso brasileiro, comparando-se o total de latas recicladas com as reservas de bauxita, trata-se de resultados irrelevantes (Layrargues, 2002, p. 8; Figueiredo, 2009, p. 13), especialmente, se considerado que o país é o quarto maior exportador desse minério (ABAL, 2015, p. 49).

O impacto ambiental positivo da reciclagem do alumínio UBC parece incidir apenas sobre a minimização de resíduos dispostos no ambiente, no entanto, ao custo do trabalho precário e informal de catadores de latinha informais. Por outro lado, o reprocessamento contínuo do alumínio gera resíduos de elevada toxicidade, em maior quantidade na comparação com a produção do alumínio primário (Vieira, 2004, p. 166), podendo aumentar a geração de resíduos perigosos.

Como inovação no setor de bebidas, sobretudo, de cervejas e refrigerantes, a entrada de embalagens descartáveis e recicláveis no Brasil, como latas de alumínio e garrafas PET (polietileno tereftalato), no início da década de 1990 (ABRALATAS, 2006, p. 10), se deu em substituição às embalagens reutilizáveis de vidro, criando resíduos até então inexistentes.

Mais flexíveis, criando novas formas de produção e consumo de bebidas, privilegiaram a reciclagem em detrimento da reutilização, invertendo a hierarquia dos resíduos. Tal inversão, no contexto da Rio 92, conferiu à reciclagem projeção única e excepcional12. Intensiva em publicidade desde o início da sua produção13, reforçada pelo setor de bebidas, também intensivo em publicidade, as “latinhas” exerceram forte influência sobre o mercado de recicláveis, ressignificando o problema ambiental das embalagens descartáveis amparada no discurso sistemático dos benefícios ecológicos e sociais da reciclagem (Layrargues, 2002).

Em face da quantidade e volume de resíduos gerados no ambiente festivo, seu gerenciamento passa a exigir cada vez maior contingente de trabalhadores e estrutura industrial, envolvendo diferentes tipos de máquinas e equipamentos (Figura 3) e criando dois sistemas complementares e contraditórios da limpeza urbana: o sistema formal, realizado pelo serviço público, e o informal, realizado pelos catadores de latinha.

Figura 3. Operação de limpeza urbana das festas populares - Máquinas e equipamentos

A. Círio de Belém 2018 B. Carnaval de rua do Rio de Janeiro 2017 C. Carnaval de rua de São Paulo 2017

Fonte: autores

Atualmente, após a passagem dos megaeventos mundiais, observar-se a entrada paulatina de cooperativas de catadores na limpeza da festa, como é caso do Círio de Nazaré de Belém e do Carnaval de rua do Rio de Janeiro, fenômeno ainda não observado no Carnaval de rua de São Paulo até 201914.

No caso do Rio e Belém, as cooperativas de catadores atuam junto ao serviço público de limpeza urbana, ao final dos cortejos, realizando a coleta dos resíduos recicláveis, principalmente dos plásticos (Figura 4 A, B e C). De forma distinta, os catadores de latinha realizam a coleta seletiva do alumínio UBC ao longo de todo o festejo, em meio à multidão, utilizando-se de sacos menores para coleta, realizada frequentemente de forma individual (Figura D, E e F).

Figura. 4. Catadores cooperados e avulsos

A. Catadores cooperados na coleta seletiva dos plásticos -Belém 2016 B. Catadores cooperados na coleta seletiva dos plásticos e catador de lata de alumínio informal em destaque - Rio 2017 C. Catador cooperado seguido de garis do serviço público de limpeza urbana - Rio 2017 D. Catador de lata de alumínio informal - Círio 2016 E. Catador de lata de alumínio informal com chapéu promocional da empresa patrocinadora da festa e saco de lixo do serviço público de limpeza urbana – Rio 2017 F. Catador de lata de alumínio informal com saco de lixo do serviço público de limpeza urbana - São Paulo 2017

Fonte: autores.

Entre as cooperativas há maior apoio e estrutura para o trabalho nas duas cidades, com bags para o acondicionamento e caminhão para o transporte do material. Porém há diferenças: as cooperativas em Belém (Figura 4A) contam com uniformes completos enquanto as cooperativas do Rio (Figura 4B e C), contam apenas com luvas e coletes. Os catadores de latinha, avulsos e informais, não contam com o transporte do material e sequer com os sacos para a coleta seletiva, em alguns casos, os retirando do próprio serviço público de limpeza urbana (Figura 4E e F), fazendo com que em algumas áreas sejam inutilizados com furos nas suas extremidades para evitar sua reutilização e a descarga dos resíduos no ambiente.

Considerando a cadeia produtiva como “sequência de atividades ou partes que fornece produtos ou serviços para a organização” (ABNT, 2012, p. 5), e que a responsabilidade compartilhada pelo o ciclo de vida do produto, envolve o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos (Brasil, 2010), o caso do Carnaval de rua do Rio de Janeiro, indica distorções mesmo nas ações positivas de inclusão de catadores.

Como fabricante de bebidas e patrocinador do evento, ao atuar junto às cooperativas, a organização acaba por atuar na cadeia dos plásticos, no qual se inserem embalagens de bebidas variadas (água, vinho, energéticos) e os fardos de plástico e papelão. Isso faz com que deixe de atuar junto aos catadores de latinha na cadeia do alumínio, na qual se insere seu principal produto e também da festa: a cerveja.

Deixa também de envolver outros elos da cadeia produtiva do produto - fabricantes de latas, de chapas e do metal (primário e secundário), indicando pequena capacidade de identificação e engajamento das partes interessadas, que como já destacado pela norma, depende o sucesso e a eficácia do sistema de gestão.

Assim, tal como um componente adicionado, a ação não se aplica diretamente na cadeia produtiva de seu principal produto, demonstrado pela invisibilização dos catadores de latinha nas ações de inclusão de catadores, sintentizado na figura 4B.

Destaca-se que a cervejaria patrocinadora do Carnaval de Rua do Rio de Janeiro desde 2010 (Machado, 2017, p. 118) é a mesma do Carnaval de Rua de São Paulo desde 2017, alterando-se apenas a marca ativada. A ação de inclusão de cooperativas de catadores se realiza apenas no Rio de Janeiro e a partir de 201315 (Santos, 2014, p. 112) e com cobertura parcial da festa, indicando ações de duplo padrão, com a adoção de critérios ambientais distintos por uma mesma empresa em diferentes localidades também denominada “chantagem locacional” (Acselrad, 2010, p. 110).

A observação de violações de direitos de grupos vulneráveis, a verificação das condições de trabalho e reação às práticas trabalhistas abusivas, assim como a promoção da inclusão social e da força de trabalho, estão previstas na NBR 16698 e na NBR ISO 20121. Tais orientações vão de acordo com o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania conforme a PNRS. No entanto, apesar da atividade ser desenvolvida por grupo de vulneráveis motivados pela sobrevivência, e envolver grande esforço físico, tanto pelas longas jornadas e trajetos como pela coleta no chão e nas sarjetas, em meio à multidão e a grande massa de resíduos, sem estrutura para armazenamento do material e para descanso, sem equipamento de proteção individual, sem transporte e à mercê da variação dos preços das sucatarias, onde se dá o pagamento pelo serviço prestado com a sua comercialização, a coleta seletiva das “latinhas” não é identificada como prática trabalhista abusiva. Ao contrário, é identificada como benefício social, como geração de trabalho e renda, “moeda social” (Giosa, 2010, Orelha do livro).

Tal representação pode ser observada na campanha de comunicação de 2017 da cervejaria patrocinadora do Carnaval de rua do Rio desde 2010 (Figura 5). Fazendo referência à frase icônica de José Datrino16 “Gentileza gera gentileza” (Figura 5A), associa a “latinha” à boas práticas, ao mesmo tempo que à marca do produto. Na mesma campanha, com a web série “Na lata” (2017) apresenta o catador de latinha como protagonista (Figura 5B). O personagem, locatário de um bar, coleta latas de alumínio no Carnaval como complemento de renda, utilizando-se sempre de luvas e sapato fechado para fazer a coleta, em contraste com a realidade da maioria de catadores de latinha observados in loco, frequentemente sem proteção nas mãos e nos pés. Na representação da atividade, a catação de latas é ainda realizada de modo divertido e honesto (o catador encontra grande soma de dinheiro e procura o seu dono ao longa da trama até devolvê-lo).

Fig. 5. Campanha de comunicação

A. Campanha “Vem fazer coisa boa neste Carnaval - Coisa boa gera coisa boa” promovendo a reciclagem da lata de alumínio em banca de jornal de Copacabana – Rio 2017 B. Campanha na internet protagonizada por catador de latinha em cena de websérie “Na lata” com uso de luvas e calçado fechado para realizar a coleta seletiva do produto Fonte: autores, 02 filmes, 2017
Hall (2012), página 461

Pode-se identificar um processo de invisibilização por superexposição dos catadores de latinha, tal como a noção de festifavelização (Steinbrink, 2013), visível nos meios de comunicação e invisível nas políticas públicas.

Além disso, a ausência de ações voltadas para esses catadores que realizam uma cobertura total das três festas, ampara-se também em outra limitação da PNRS: o foco da inclusão de catadores nas cooperativas, embora “Especula-se que haja cerca de um milhão de catadores no Brasil, dos quais menos da metade participa de cooperativas” (IPEA, 2010, p. 35).

Mesmo a PNRS prevendo em seus instrumentos, “o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis” (Brasil 2010), na prática, são os grupos já organizados e regulamentados, que possuem documentação e até mesmo infraestrutura, como caminhões, que participam formalmente da limpeza no âmbito das festas observadas.

Ainda no anexo B da norma, referente à gestão da cadeia produtiva, os resíduos se apresentam como abordagem, como técnica de avaliação e de gerenciamento para a aquisição sustentável, com a transposição da hierarquia dos resíduos (repensar, eliminar, reduzir, reutilizar, reciclar, descartar) para a aquisição.

No entanto, como “linguagem única de comunicação para área de vendas” (Carneiro& Fontes, 1997, p. 67) já nos domínios da economia da experiência (Lipovetsky& Serroy, 2015, p. 267), os eventos em si se transformam em estratégia de promoção do consumo, em que se destacam os megaeventos, capazes de estruturar novas tecnologias, indústrias e mercados (Lampel & Meyer, 2008, p. 1025). No caso do setor de bebidas:

As estratégias de marketing das indústrias de bebidas alcoólicas tendem a ser globalmente pensadas e aplicadas. Isso porque, atualmente, existem grandes conglomerados empresariais multinacionais controlando as principais marcas de bebidas, seja nos mercados desenvolvidos, como naqueles em desenvolvimento. Frequentemente, a marca é associada a esportes, estilos de vida e identidades que variam de acordo com a cultura local. No Brasil, as cervejas são associadas a futebol e carnaval, ao passo que, nos Estados Unidos, com eventos esportivos específicos, tais como a liga de baseball e o campeonato nacional de basquete universitário. Vários estudos conduzidos sob a perspectiva da saúde pública, que analisaram a relação entre a propaganda de bebida alcoólica e o consumo de álcool, mostraram que o conteúdo das mensagens publicitárias atua no processo de tomada de decisão do indivíduo para o consumo de álcool (Vendrame&Pinsk, 2011, p. 196-197).

É desse modo que a hierarquia dos resíduos se apresenta como uma contradição do setor de eventos, na qual a reciclagem produz “ um efeito ilusório, tranquilizante na consciência dos indivíduos, que podem passar a consumir mais produtos, sobretudo descartáveis, sem constrangimento algum” (Layrargues, 2002, p. 6). Destaca-se, no caso brasileiro, a relação da indústria cervejeira com o Carnaval e o futebol17, ícones da nacionalidade, e sua concentração e internacionalização no período atual.

Enquanto no início da década de 1990 dava-se a modernização das cervejarias com a entrada das latas descartáveis de alumínio, no final da década dava-se sua concentração, com a união das rivais Brahma e Antarctica Paulista, e a criação da Ambev em 1999, sua fusão com a Belga Interbrew, com a criação da Inbev em 2004, e a fusão com a norte-americana Anheuser-Busch, da Budweiser, com a criação do grupo AB-Inbev, em 2008 (Cervieri Junior et al., 2014).

Em 2017, segundo Dyniewicz (2017), ao mesmo tempo que o grupo reduzia sua participação no sambódromo do Rio, com “o fim de seu camarote vip na Marquês de Sapucaí, depois de 26 anos de presença cativa” e também em Salvador, megacarnavais “tradicionais”, aumentava sua participação no Carnaval de rua de diversas cidades brasileiras, indicando novas estratégias de marketing sobre a festa.

Nessa estratégia inclui-se o cadastramento de vendedores ambulantes de bebidas (Figura 6), que assim como os catadores de latinha, circulam em todo o espaço festivo. O cadastramento de ambulantes, presente no Carnaval de rua do Rio e de São Paulo, garante forte exposição de marca do fabricante-patrocinador (Figura 6B e C) e a exclusividade na comercialização da cerveja, criando situações de monopólio (Machado, 2017, p. 122).

O consumo de bebidas é ainda potencializado pelo uso generalizado de máquinas de cartão sem fio entre os ambulantes no Sudeste - fenômeno ainda não observado entre os ambulantes do Círio de Belém até 2018.

Figura 6. Comércio ambulante de bebidas

A. Vendedor ambulante de bebidas em meio a procissão - Círio 2018 B. Vendedores ambulante de bebidas máquina de cartão sem fio e coletes, boné e caixa de isopor promocional da empresa patrocinadora da festa - Carnaval de Rua de São Paulo 2017 C. Vendedoras ambulantes com chapéu, colete, caixas de isopor e guarda sol promocional da empresa patrocinadora da festa - Carnaval de Rua Rio 2017
Fonte: autores.

Destaca-se que a organização dos vendedores ambulantes de bebidas não implica em melhores condições de trabalho - em alguns casos, os vendedores ambulantes também realizam a coleta seletiva de alumínio UBC, exercendo uma dupla função.

Os vendedores ambulantes também não contam com estrutura para descanso, alimentação, e até mesmo creches, tendo em vista o grande número de mulheres que cada vez mais exercem a atividade. Muitos desses trabalhadores, assim como os catadores de latinha, podem se transformar em moradores de rua ocasionais, tendo em vistas as longas distâncias entres os locais de moradia e da festa, realizadas nas áreas centrais das cidades.

O consumo intensivo de bebidas coloca o problema do saneamento das festas (Figura 7), que vai do acesso à água potável18 ao esgotamento sanitário, na ausência de banheiros públicos e a quantidade e qualidade de banheiros químicos, passando pelas águas residuais, sobretudo do gelo utilizado na refrigeração de bebidas, descartado na rua e misturando-se aos resíduos.

No caso do Carnaval de rua, coloca também as limitações da autorregulamentação no âmbito da propaganda de bebidas alcoólicas, que se mostra pouco eficaz no plano nacional e internacional (Vendrame & Pinsk, 2011, p. 201) transformando a festa em espaço publicitário de marcas de cerveja e promovendo a padronização da paisagem festiva (Figura 7B e C) observada também no próprio resíduo (Figura 7E e F).

Figura. 7. Paisagem festiva

A. Procissão do Cirio 2017 B. Bloco carnavalesco de São Paulo com predomínio da cor da marca de cerveja ativada pelo patrocinador, 2018 C. Bloco carnavalesco do Rio de Janeiro com predomínio da cor da marca do produto ativada pelo patrocinador – em destaque banheiros químicos, 2017 D. Resíduos do Círio 2018 com predomínio de copos plásticos de água E. Lixeira saturada e resíduos com predomínio de fardos de bebidas - Carnaval de rua de São Paulo 2019 F. Residuos com predomínio de fardos de bebida - Carnaval de rua do Rio 2019
Fonte: Ballarini, 2018; Ferreira, 2017; Maia, 2018; Prefeitura Municipal de Belém (cedida); autores.

Por fim, no último anexo da norma, o anexo C, referente à avaliação, os resíduos se inserem na lista de questões a ser considerada pelas organizações. Como uma das 31 questões da lista, os resíduos não se apresentam como exemplo ou abordagem, mas objetivamente como questão, em que sua prevenção, redução, desvio e gestão devem ser identificados e avaliados.

No primeiro Relatório GRI de Sustentabilidade da Prefeitura do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, 2011), na fase anterior aos mundiais da FIFA e do COI, os resíduos foram indicados como terceiro tema mais importante para a realização dos jogos, depois de planejamento urbano e mobilidade.

Apesar da relevância do tema para o setor, a invisibilidade dos catadores de latinha implica também no não reconhecimento de novas formas de gerenciamento de resíduos desenvolvidas por esses trabalhadores. Destaca-se a sistemática de fixar-se em pontos de grande circulação com sacos tipo big bags (Figura 8A e B), promovendo o descarte adequado em que os catadores cuidam apenas para que não se misture outros materiais.

Tal prática, observada pontualmente em São Paulo e no Rio, além de aumentar a qualidade da sucata, diminui o contato direto do catador com os resíduos e evita os longos trajetos, o descarte e coleta de recicláveis no chão (Figura 8 C).

Figura 8. Sistema de coleta seletiva informal e formas de descarte

A. Latas de alumínio descartadas em bag cuidada por catador informal - Carnaval de rua Rio 2017 B. Latas de alumínio descartadas em bag cuidada por catador informal - Carnaval de rua de São Paulo 2017 C. Latas de alumínio descartadas no chão – Carnaval de rua de São Paulo 2018

Fonte: autores.

A sustentabilidade dos megaeventos: entre a regulação, a autorregulação e a justiça ambiental

Em uma primeira análise, observa-se no Brasil uma maior normatização do setor de eventos no período posterior ao ciclo dos megaeventos mundiais (2007-2016), com a publicação de um conjunto de normas técnicas sobre classificação e terminologia, perfil do organizador, segurança e diretrizes para boas práticas (ABNT, 2016, 2016b, 2016c, 2018) voltadas para eventos.

Apesar da ausência de tais normas no pré-evento do ciclo dos megaeventos mundiais, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), publicada em 2010, e a NBR ISO 20121, publicada em 2012, se deram no período de plena preparação da Copa do Mundo Masculina da FIFA (2014), e dos Jogos Olímpicos (2016), megaeventos de maior impacto e visibilidade.

No entanto, o não enquadramento dos resíduos de eventos na PNRS no contexto da festivalização, é uma lacuna que merece ser investigada, pois acaba por não estabelecer obrigatoriedade para o setor e tampouco oferecer instrumentos que garantam sua efetivação, com rebatimento nas próprias normas técnicas do setor. Especialmente, se considerar sua tramitação por 20 anos no Congresso Nacional, no qual o ciclo dos megaeventos mundiais pode ter contribuído para impulsionar sua aprovação.

No caso brasileiro, as políticas para resíduos de eventos ficam restritas ao poder público local apesar da abrangência regional, nacional, internacional ou mundial dos eventos, que acabam por reforçar o processo de festifavelização, no qual, “Despite the mantra-like ‘legacy and sustainability’ rhetoric (...) the actual priority in this phase is primarily orientated towards (short-term) global staging and ‘neo-liberal dreamworlds’ (Davis and Monk 2007) and not to the objectives of socially integrative city development (Steinbrink, 2013, p. 131).

Para Hall (2012), megaeventos não são sustentáveis por definição, na medida que permitem benefícios corporativos substanciais no curto prazo, com os custos coletivos no longo prazo, indicando fraca contribuição à equidade econômica e social e à manutenção e valorização do capital natural. Do mesmo modo, para Horne (2010, p. 1550), megaeventos são indicadores da globalização, do aumento da mercantilização e da crescente desigualdade, e que acabam por fazer das festas populares 1. conteúdo de mídia e tempo-espaço publicitário de corporações; 2. superfície comercial de bebidas industrializadas; 3. fonte geradora e depósito temporário de resíduos em grande quantidade e volume e 4. canal reverso de embalagens descartáveis de bebidas (canal consolidado de alumínio e em consolidação dos plásticos).

Nas festas observadas, são os catadores, sejam avulsos ou em cooperativas, que realizam efetivamente a coleta seletiva, de acordo com os padrões modernos de gestão de resíduos com a separação na fonte geradora, enquanto que o serviço público realiza a gestão tradicional, no modelo coleta e descarte (Figueiredo, 2012, p.3).

De modo que o gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos se dá, contraditoriamente, pelo trabalho precário e insalubre, no que pesem as ações recentes de inclusão de cooperativas, que apesar de melhor estrutura e proteção para o trabalho, mantém a coleta seletiva no chão e nas sarjetas, em face do descarte inadequado e a insuficiência de lixeiras.

Como maior e “tradicional” contingente de catadores de materiais recicláveis em eventos por quase três décadas, os catadores de latinha indicam as dificuldades de “integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos” (Brasil, 2010).

Tal dificuldade se expressa, por exemplo, no pagamento pelo serviço de limpeza urbana e manejo de resíduos para as empresas de limpeza urbana (terceirizada no caso de Belém e São Paulo), na ordem de 2,5 milhões de reais gastos com varrição em São Paulo no Carnaval 2017 (São Paulo, 2017) e a média de 800 mil reais para a limpeza urbana e manejo de resíduos em Belém para Círio em 201819, e na ausência de políticas de integração social de catadores, que recebem pelo serviço de limpeza das festas apenas pelo material coletado nas sucatarias, realizando também o transporte e comercialização das latas de alumínio, que variam entre R$ 2,90 e R$ 3,50 o quilo20 , equivalente a 74 latas de 350ml (ABRALATAS, 2006, p.18).

Assim, apesar da participação direta de setores públicos e privados na organização de megaeventos, como atribuir responsabilidade individualizada e encadeada sobre o ciclo de vida de produtos transformados em resíduos no ambiente festivo? E a quem caberiam, em um contexto de parceria público-privada, as ações de integração social desses catadores? Quando “o Estado concorrencial não é o Estado árbitro de interesses, mas o Estado parceiro dos interesses oligopolistas na guerra econômica mundial” (Dardot & Laval, 2016, p. 283) a aplicação dos princípios do poluidor-pagador e do protetor-recebedor previsto no marco regulatório nacional pode se apresentar como tarefa de difícil execução.

Além do alto grau de complexidade de organização dos megaeventos, com a miríade de atores e papéis sobrepostos (patrocinador-fornecedor-fabricante; patrocinador-transmissor), há ainda o problema da representação social da reciclagem e da legislação, que privilegia a integração de cooperativas e não apresenta instrumentos para a integração dos catadores avulsos e informais.

No caso das “latinhas”, ícone da reciclagem no país, acabam por refletir o processo mais amplo de naturalização do trabalho precário, não percebido socialmente como violações de direitos de grupos vulneráveis e práticas trabalhistas abusivas, mas como benefício social.

Inserindo-se na limpeza da festa como “empresa de si mesmo”, os catadores de latinha refletem “uma nova regra do jogo que muda radicalmente o contrato de trabalho, a ponto de aboli-lo com relação salarial” (Dardot & Laval, 2016, p. 335).

Especialmente no setor de eventos, em que o trabalho autônomo, temporário e/ou informal é favorecido por sua própria excepcionalidade. No caso brasileiro, a média de empregados diretos por empresa de evento é de 15 funcionários, enquanto a de terceirizados é 477(ABEOC, 2013, p. 10).

Motivados pela sobrevivência, realizando um tipo de coleta-transporte-comercialização imediato ao descarte, produzindo uma sucata pouco contaminada que aumenta a qualidade do material, os catadores de latinha, desprovido de direitos trabalhistas, e tampouco capaz de atuar sobre o preço do metal, sem equipamentos de proteção e realizando a coleta, sobretudo, no chão, promovem um tipo de coleta tão ambientalmente eficiente, como socialmente precário e economicamente injusto, fazendo das grandes festas lócus de injustiça ambiental e da sua própria naturalização, ao transferir para a população vulnerável o custo da poluição.

Considerando que “o maior custo da reciclagem do lixo é sua coleta, seleção e transporte” (Gonçalves-Dias & Teodósio, 2006, p. 433), o trabalho “voluntário” dos catadores de latinha torna-se mecanismo de reprodução da pobreza e de exclusão social institucional, pois “Quando o Estado se torna o principal guardião da apropriação privada de uma produção social (...) da legitimação da redução do valor do trabalho, ele é também o feitor de excluídos sociais” (Silveira, 2004, p.70).

Tão importante para os catadores de latinha como para sua cadeia produtiva, a reciclagem mostra que mesmo produtos de alta reciclabilidade no contexto da modernização ecológica “não representam necessariamente uma solução para o conflito entre a economia e o meio ambiente. Pelo contrário, perigos desconhecidos incorporados às novas tecnologias engendram em muitos momentos conflitos de injustiça ambiental” (Martinez-Alier, 2017, p. 36).

Como inovação tecnológica no setor de bebidas na década de 1990, o alumínio UBC inverte não apenas os resíduos em insumo da cadeia produtiva, mas também a hierarquia dos resíduos, substituindo a reutilização pela reciclagem e gerando resíduos até então inexistentes. Inverte também os danos ambientais dos novos resíduos em benefício social da população pobre e vulnerável, garantindo a aceitação e valorização do produto - econômica, social e ambiental.

Especialmente quando “não se trata mais de apenas desenvolver artes industriais de qualidade (...) mas de conceber produtos portadores de valores que o transcendam: respeito pela biosfera, imperativo do coletivo, ecocidadania responsável” (Lipovetsky & Serroy, 2015, p. 259).

Assim é que se dá a invisibilização seletiva dos catadores de latinha, amparada no estigma social histórico do trabalho associado ao lixo (Velloso, 2008, p. 1957) e na “manutenção de práticas coloniais de subalternização do outro”, que estrutura a histórica desigualdade racial e social brasileira, fazendo com que “não existam nem como relevantes nem como compreensíveis” (Silva, 2012, p. 9) nas políticas de resíduos e dos eventos.

Em um processo de valorização dos resíduos pelo catador e desvalorização do catador pelos resíduos, aponta um tipo de racismo ambiental, de onde deriva a própria noção de justiça ambiental. Definido originalmente como a imposição desproporcional – intencional ou não – de rejeitos perigosos às comunidades de cor (Martínez-Alier, 2017, p. 232), o racismo ambiental pode ser entendido no Brasil como:

(...) conjunto de ideias e práticas das sociedades e seus governos, que aceitam a degradação ambiental e humana, com a justificativa da busca do desenvolvimento e com a naturalização implícita da inferioridade de determinados segmentos da população afetados – negros, índios, migrantes, extrativistas, pescadores, trabalhadores pobres, que sofrem os impactos negativos do crescimento econômico e a quem é imputado o sacrifício em prol de um benefício para os demais (Herculano, 2008 apud Silva, 2012, p. 106).

Mais do que fator de geração de trabalho e renda, a coleta seletiva do alumínio UBC nas festas populares se apresenta como indicador de vulnerabilidade social, associados a setores modernos e dinâmicos da economia, como alumínio, embalagens, bebidas e megaeventos, indicando que “enquanto os males ambientais puderem ser transferidos para os mais pobres, a pressão geral sobre o ambiente não cessará” (Acselrad, 2010, p. 114).

Na ausência de políticas públicas de eventos, diluídas entre política urbana, cultural e de turismo, a NBR ISO 20121 oferece um panorama da complexa estrutura e organização de eventos pela perspectiva da sustentabilidade.

No entanto, não se pode concordar com Flores, que mesmo considerando “as lacunas no relacionamento das grandes empresas patrocinadoras com o COI no que concerne à sustentabilidade” (Flores, 2014, p. 74), assume que instrumentos como a ISO 20121, “desenvolvidos na face empreendedora para o legado dos jogos são um bem comum, pois são de grande importância para o setor de eventos” (op. cit, p. 76).

Nesse contexto, deve-se considerar o processo que “outorga ao setor privado a capacidade de produzir normas de autorregulação no lugar da lei (...) a fabricação da norma internacional e a uma normatização privada necessária à coordenação das trocas de produtos e capitais (Dardot & Laval, 2016, p. 278), e que faz dos Jogos Olímpicos, no seu modelo atual, estabelecer padrões para a sustentabilidade para todo o setor de eventos.

A falência econômica do estado do Rio decretada pouco antes do início dos Jogos de 2016 (Rio de Janeiro, 2016) após protagonizar megaeventos mundiais por uma década, coloca em questão a capacidade dos megaeventos de promover a sustentabilidade nos locais em que se realizam.

Como observado, os resíduos perpassam a norma de diferentes maneiras, seja como exemplo, abordagem, ou questão. Porém, a definição de sustentabilidade como “grau de desenvolvimento sustentável no contexto da organização ou evento” (ABNT, 2012, p. 2), expressa talvez a essência da norma: a definição, de acordo com o porte e o papel da organização, de objetivos mensuráveis, alcançáveis e monitoráveis, sua documentação e comunicação.

Para Leff (2009, p. 196) “não existe uma medida quantitativa e homogênea que possa dar conta dos processos diferenciados dos quais depende o potencial ambiental para o desenvolvimento sustentável, ou de seus efeitos na qualidade de vida definida pelas diferentes normas e valores culturais”, o que objetivos mensuráveis, alcançáveis e monitoráveis podem acabar por reduzir a sustentabilidade a um custo de produção e a excluir problemas de maior complexidade, tal como os resíduos, que envolvem a responsabilidade compartilhada de todo o ciclo de vida dos produtos.

Além disso, a organização e estrutura de megaevento transposta para as festas populares, coloca em risco, além da saúde pública, o saneamento e a qualidade ambiental dos festejos, o seu próprio sentido e significado.

Em um quadro em que “a lógica exponencial do espetáculo, do divertimento, do lazer e do consumo comercial (...) invade e reestrutura o espaço urbano (Lipovetsky & Serroy, 2015, p. 316), fazendo das cidades e suas festas, máquinas de crescimento econômico, o Bloco Fluvial do Peixe Seco (2017), agremiação carnavalesca paulistana, remete ao megaevento a “segunda morte do Carnaval de rua”, depois da primeira, com a construção do sambódromo:

Na cidade-espetáculo, os espaços públicos são cada vez mais esquadrinhados para produzir subjetividades e comportamentos, com todas as publicidades vendendo um mesmo “produto”: o comportamento consumista. Sabemos que as produções artísticas e culturais de determinado lugar podem ser utilizadas como facilitadoras das estratégias de marketing, uma vez que a relação poética, estética e lúdica promove um acesso às subjetividades através daquilo que é mais precioso numa sociedade: suas memórias, histórias, festas, imaginações e tradições. E o carnaval de rua é uma grande oportunidade para as agências de marketing. Nesse contexto, urge um apelo à dimensão ética dos articuladores de festas populares: proteger suas memórias e sua ancestralidade dos sequestros operados pelas estratégias de mercantilização de todas as esferas da vida.

Neste sentido, as embalagens descartáveis e recicláveis se transformam em dispositivo que permite a exploração em cadeia da cultura, do espaço público e do trabalho precário de vendedores ambulantes de bebidas e catadores, fazendo também das grandes festas “zonas de sacrifício”, depósitos temporários de resíduos que comprometem o saneamento das festas e o bem-estar da comunidade festiva em benefício do poder econômico.

O contexto da festifavelização (Steinbrink, 2013), com a emergência de normas tanto no âmbito da regulação como da autorregulação, aponta mudanças que, no entanto, não se mostram capazes de responder ao problema da grande quantidade e volume de resíduos gerados, do descarte inadequado, da invisibilização do maior contingente de catadores, os catadores de latinha e, sobretudo, da responsabilidade sobre os resíduos pelos atores e setores econômicos que se beneficiam da sua geração.

Nesses termos, ao paradigma sustentável e responsável para eventos e festivais proposto por Getz (2009) pode-se ainda adicionar mais um termo: “justo”, no qual a injustiça ambiental como “lógica que faz que a acumulação de riqueza se realize tendo por base a penalização ambiental dos mais despossuídos” (Ascelrad, 2010, p.110) seja frontalmente combatida.

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – código de financiamento 001.

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1 Dumara Regina de Lima, Mestre em Política e Gestão Ambiental. Doutoranda, Programa de Pós-graduação em Sustentabilidade da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo - USP, Brasil. Correio eletrônico:dumaralima@yahoo.com.br. https://orcid.org/0000-0003-4775-2616

2 André Felipe Simões, Doutor em Planejamento Energético. Acadêmico da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo-USP, Brasil Correio eletrônico: afsimoes@usp.br.
https://orcid.org/0000-0002-4108-9596

3 Sonia Seger Pereira Mercedes, Doutora em Energia. Acadêmica da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Brasil, Correio eletrônico: sonia@nuclear.ufmg.br.
https://orcid.org/0000-0003-4801-0710

4 Ramatis Jacino, Doutor em História Econômica. Acadêmico da Universidade Federal do ABC- UFABC, Brasil, Correio eletrônico:ramatis.j@ufabc.edu.br. https://orcid.org/0000-0002-1334-8781

5 Classifica os eventos quanto ao tipo (cultural, científico, etc.), porte (evento de pequeno, médio, grande porte e megaevento), abrangência (municipal, estadual, regional, nacional, latino-americano, internacional, mundial) e público (fechado e aberto).

6 Conforme Arruda (2003, p. 181), com a Lei Rouanet, criada em 1991, “Estava implantado, assim, um “mercado de patrocínios” (...) provocando a integração de setores até então bastante distantes da lógica mercantil, como era a situação das artes, do patrimônio, da cultura popular”.

7 No Brasil, o Carnaval do Rio é um paradigma da relação das festas populares com os meios de comunicação, da mídia impressa (Coutinho, 2006) à digital (Marques, 2016). Além dos desfiles das escolas de samba, o Carnaval de rua do Rio e de São Paulo também conta com transmissão ao vivo na TV à cabo. A Procissão do Círio, principal procissão da festa, é transmitida ao vivo e na íntegra pela TV aberta (Lopes, 2014) em escala regional.

8 Destaca-se na catação de lata a população negra e a população de rua. Embora a atividade seja realizada principalmente por homens adultos, há também mulheres, idosos e crianças na catação, em que o trabalho infantil foi observado de duas formas: na coleta propriamente, em pequenos grupos, aparentemente sem a presença de adultos (Belém, São Paulo, Rio de Janeiro), ou cuidando das latas, sentados nos sacos de sucata, enquanto os pais ou responsáveis fazem a coleta (São Paulo, Rio de Janeiro).

9 O autor destaca que em Seul, nas Olimpíadas de 1988, foram removidas 720 mil pessoas; em Shangai, na Exposição Universal de 2010, 400 mil; em Beijing, nas Olimpíadas de 2008, 1,5 milhão e, em Nova Delhi, 300 mil nos Jogos Commonwealth de 2010. No Brasil, destaca as ações nas favelas situadas nos locais de relevância para os megaeventos, em ações pontuais que não levam em conta o conjunto de 750 favelas da cidade. Conforme o Dossiê do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro (2014), 30 favelas da cidade foram total ou parcialmente removidas declaradamente em razão desses eventos. Entre elas, a Vila Autódromo, tratada no documentário Favela Olímpica (2017).

10 A favela (CNIDOSCULUS PHYLLACANTUS PAX & K HOFFM) é uma espécie florestal do bioma Caatinga, e conforme Valladares (2000) passa a denominar o primeiro assentamento urbano irregular, no Rio de Janeiro, em referência ao morro da favela no sertão da Bahia-BA, onde ocorreu a Guerra de Canudos (1896-1897).

11 Invisibilização por meio de muros, placas e mídia visual, como a transformação das favelas em áreas verdes em cartogramas impressos e digitais e a substituição da palavra favela por comunidade.

12 A primeira fábrica de latas entrou em operação no final de 1989 com programas institucionais de reciclagem iniciados em 1991(ABRALATAS, 2006), o que para Giosa (2010, p. 35-36) “a Eco-92 foi uma “ajuda do céu” (...) trouxe o país para o centro das atenções na então incipiente discussão sobre temas ambientais e qualidade de vida. Logo a imprensa começou a se preparar para cobrir o evento. Jornais divulgavam o novo caderno de meio ambiente, as TVs abriam espaço para matérias sobre a qualidade das águas, emissões de gases e qualquer coisa relacionada com o meio ambiente. As rádios passaram a ter jornalistas voltados exclusivamente para falar do assunto, em diversas inserções diárias. As inscrições para o evento chegavam do mundo todo. O clima estava mais que favorável para nós. (...). Percebemos ali uma boa oportunidade para divulgar a reciclagem (...), o retorno foi imediato, até porque o único programa de recuperação de embalagens funcionando era o nosso. Foi um impulso e tanto. Mais de 2 horas em TV e mais de 5 em emissoras de rádio. Jornais dedicaram mais de 10 páginas ao programa das latinhas durante um mês (...). Enfim, ganhamos uma poderosa publicidade indutiva, que teria reflexos por muito tempo. Ainda em 1992, foi fundado no Rio de Janeiro o Cempre – Compromisso Empresarial para a Reciclagem, uma organização sem fins lucrativos comandada por três grandes companhias produtoras de bebidas”.

13 Conforme Fuller (1978), as “latinhas” foram criadas no final da década de 1950 nos Estados Unidos já com forte campanha de comunicação para promover a logística reversa.

14 No Carnaval de rua de São Paulo, até 2019, não havia cooperativas de catadores na festa (fonte geradora), porém, a partir de 2018 a prefeitura passou a declarar índices de resíduos reciclados (SÃO PAULO, 2018b; 2019), quando os resíduos passaram a ser encaminhados para Centrais Mecanizadas de Triagem, onde atuam cooperativas de catadores. Porém, não foi identificada ações de responsabilidade compartilhada pela geração dos resíduos, seja em documentos ou campanha de comunicação.

15 Em entrevistas realizadas junto à Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (COMLURB) e à Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Tereza e Centro da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (SEBASTIANA), 2013 marca a entrada das cooperativas de catadores como um dos requisitos do Caderno de Encargos e Contrapartidas do Carnaval de Rua, documento publicado pela Riotur, que estabelece a política de patrocínio da festa.

16 Conhecido como Profeta Gentileza (1917-1996), seus painéis no viaduto do Gasômetro foram tombados como patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro em 2000.

17 Abrão-Romera (2014), destaca a liberação da venda de bebidas alcóolicas nos estádios brasileiros por ocasião da Copa do Mundo da FIFA em contraposição ao Estatuto do Torcedor.

18 Nas manifestações religiosas do Círio, sobretudo, na sua procissão principal, embora a água seja comercializada por vendedores ambulantes, há uma tradição de sua doação pelos “promesseiros d’água” que a realizam como prática devocional. Já distribuída em bilhas de barro no passado, atualmente é distribuída em copos de plástico. No Carnaval de rua do Rio e São Paulo e no circuito profano do Círio, como o Arraial da Pavulagem, o acesso à água se dá exclusivamente mediante a compra.

19 Informação concedida pelo Departamento de Resíduos Sólidos da Secretaria Municipal de Saneamento de Belém (SESAN).

20 Conforme os catadores de Belém, Rio e São Paulo e sucatarias do Rio e de São Paulo visitadas entre 2018 e 2019.

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